ELMAR CARVALHO

O arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho, hoje uma das maiores autoridades a respeito do patrimônio arquitetônico do Piauí, incluindo o seu estado de conservação e as medidas para preservá-lo, convida os campomaiorenses de boa-vontade para uma caminhada no entorno dos velhos sobrados e casarões de Campo Maior, sobretudo no espaço situado no centro histórico da cidade. O evento começará às 8 horas do próximo domingo, dia 6, saindo do bar Santo Antônio, e devendo percorrer as praças Rui Barbosa, do Rosário e Bona Primo, e talvez trecho da antiga e boêmia Zona Planetária, já completamente em ruínas, cujos escombros são uma denúncia ao descaso público e privado. Muitos solares importantes já foram completamente destruídos, entre os quais o da antiga Fazenda Tombador e o que pertenceu ao coletor estadual Antônio Cardoso de Oliveira, que ficava na frente do prédio dos Correios e Telégrafos. Após o passeio/passeata haverá um debate sobre a preservação desses vetustos edifícios.

 

Quando tomei posse de minha cadeira na Academia de Letras do Vale do Longá, em 23 de maio de 1997, chamei a atenção para o desaparecimento desses antigos sobrados e solares, e para o estado deplorável de muitos outros, mormente o conjunto da Zona Planetária ou da rua Santo Antônio, quando bradei: “Campo Maior, infelizmente, não tem o sadio bairrismo da velha e querida Oeiras. Talvez por isso alguns prédios que faziam parte de sua paisagem física, histórica e sentimental foram aniquilados, sem que deles reste pedra sobre pedra, ou mesmo uma desbotada fotografia, e sem que exista algum decreto de tombamento até hoje, o que põe em risco os remanescentes. Há que ser preservado o seu centro histórico. E aí estão incluídos o sobrado do major Honório Bona Neto, músico talentoso e, segundo dizem, o autor da denominação Zona Planetária, por poucos conhecida através deste poético e sugestivo nome, que outrora era exibido nas paredes externas, bem como também o nome de cada um dos planetas, com o respectivo desenho. Cada prostíbulo era representado por um dos planetas. Sim, senhores, a Zona Planetária é o hoje ferido de morte meretrício da rua Santo Antônio. Pouco custaria ao poder público gastar umas latas de tinta e recuperar a poesia e o encantamento de um tempo que insiste em não morrer, porquanto ainda hoje, em algumas partes, se vislumbra, sepultos por novas camadas de tinta, vestígios do velho letreiro”. Lamentavelmente, fui bom profeta, como não desejaria, e os velhos cabarés, assim como outros casarões, terminaram literalmente tombados, seja pelas intempéries do tempo e dos temporais, seja por obra humana.

 

Em outra parte, em texto esparso, lançado aos ventos eaos maresinternéticos, tive a oportunidade de dizer: Aos poucos, como num jogo de dama, em que as peças são “comidas”, os velhos casarões de Campo Maior vão desaparecendo, sem que se faça alguma coisa. Quando menos se esperar, como no texto bíblico, não restará pedra sobre pedra dos velhos solares, que representam toda uma paisagem arquitetônica, humana e sentimental, desencadeando a saudade de várias gerações, que os contemplaram em diferentes quadras de sua vida. O velho bardo Manuel Bandeira, em versos admiráveis, que se ajustam como uma luva perfeita ao que estou tentando transmitir, disse que iam destruir a sua casa, mas que seu quarto ia ficar de pé, suspenso no ar. Se nada for feito, esses antigos edifícios, impregnados da tessitura do tempo, prenhes de mistérios, recordações e saudade, irão desaparecer, deles apenas restando, se restar, uma fotografia, e a saudade “suspensa no ar” e no coração de uns poucos, que aos poucos, pela lei da vida, também irão morrendo. Dez anos atrás, em discurso, denunciei o abandono e o estado de ruína da histórica Zona Planetária. E os “planetas” terminaram se indo, com toda a memória de uma época de fastígio e riqueza, oriunda do gado e do gado e dos carnaubais.

 

Algo ainda pode ser feito. Façamos enquanto ainda é tempo.