O BELO INSTANTE

                          Só vens quando me dois

                          ou a manhã é excessiva

                                           Bandeira  Tribuzi

Enclausurado na amplidão silente

desta sala, sozinho e comovido,

eu curto o belo instante percebido

pela roupagem nobre, diferente.

 

Instante assim (feliz e comovente)

na minha vida, ai quantos tenho tido!

Instante às vezes breve, mas vivido

por mim de modo igual, intensamente.

 

Ao revelar-se esse momento/sonho

que tem feitio de imaginação,

torná-lo produtivo me proponho.

 

Momento excepcional, momento não

comum, durante o qual sempre me ponho

a delirar nos braços da emoção!

 

A TUA VEZ

 

O agora é uma sombra ensolarada

que no desvão do tempo anda, passeia

com passo firme e se supões parada,

como parece, aliás, após a ceia.

 

O agora é uma sombra que clareia,

mesmo quando não acontece nada,

passada a onda, descoberta a areia,

alguma coisa pode ser notada.

 

O agora é o presente que recebes

de Deus enquanto vivo te percebes

no que vês também no que não vês.

 

O agora é uma sombra ensolarada

de vida. Está a tua frente a estrada!

o agora é simplesmente a tua vez.

 

IMPROVISADOR

 

Reparem bem: depois de acontecidas

as coisas, não há choro, não há reza

que volte tudo ao que era antes, pesa

de qualquer forma o efeito em nossas vidas.

 

Baseado na s experiências vividas

e com minha alma ainda, com certeza,

despreparada e felizmente ilesa,

busco esquecer as ilusões vencidas.

 

Vai o presente, firme, se arquivando...

Por isso é que, sempre feliz, o encaro

a meu talante, ou seja, improvisando.

 

Daquilo que virá não faço conta.

Eu vivo a vida sem nenhum preparo

e dela vou partir sem mala pronta.

 

P.S.: Os poemas integram o livro inédito Tempo Nuvem

 

É tarde - é cedo

 

é tarde, o sol declina no horizonte,

os pássaros procuram o arvoredo,

desde ontem juntos, tenho de ir embora

mas meu amor sugere que ainda é cedo.


— é tarde, eu digo, a noite vai vestir

o manto que acoberta o seu segredo;

já nos amamos o bastante, amor.

e meu amor me diz: — amor, é cedo.


retruco: é tarde, as sombras mais se adensam

e os caminhos, escuros, causam medo.

— isso mesmo, — diz ela me beijando —

espera amanhecer... amanhã cedo...


ela é divina! eu sou feliz! atendo

ao seu convite e aos seus carinhos cedo:

mais momentos de amor então gozamos;

até que, de repente acordo, é cedo?


é tarde? a claridade de outro dia,

para nós dois, severa, aponta o dedo.

vou levantar, ela também acorda,

me abraça, e fala, insiste que inda é cedo.


— é tarde, eu mostro, há luz em toda a alcova,

impondo fim ao nosso doce enredo.

— não! — ela diz — isto é clarão da lua...

amor, não vá, ainda é muito cedo!


Esdrúxulo

 

A prata, o caviar, a mesa elástica,

riem do pobre

e lhe pesam no vazio estômago.

 

O lustre, o veludo, o mármore,

esbofeteiam

a face do menino pálido.

 

Dói no seu corpo o sacrifício

da ingênua espera:

aberta mão ao desviado prêmio

 

De tanto conviver com áscaris

morre o menino

de alma e coração imáculos.

 

Uma paixão antiga, hoje única,

domina o mundo.

 

É torturante a dor sem número.