Ausência de caráter
Em: 17/03/2009, às 16H17
Por Cunha e Silva Filho
O Estado – esse Leviatã na expressão de Thomas Hobbes (1588-1679 ) -, se fez para permitir que os indivíduos em sociedade possam conduzir suas vidas e realizar-se social, pessoal e profissionalmente. A complexa máquina estatal se não tornou, hoje em dia, melhor a vida de cada um, a tornou minimamente suportável. A estrutura dessa máquina dispõe dos mais diversos mecanismos que limitam excessos e abusos do cidadão, assim como, em outras circunstâncias vitais, serve como dispositivo altamente coercitivo das chamadas liberdades individuais.
A natureza do Estado é impessoal. Seu funcionamento pleno só pode ser exercido em razão de seus objetivos fundamentais: a engrenagem da máquina administrativa não pode sofrer solução de continuidade.Caso isso aconteça, todo um aparato jurídico- policial se põe a funcionar , coacrtando qualquer possibilidade de desarticular aquela engrenagem.
A essência do seu funcionamento e de sua normalidade subsiste na medida em que as leis do Estado são cumpridas, conquanto ,em alguns casos, o sejam em detrimento de terceiros.
A força do Estado é centrípeta, controladora, fiscalizadora, coercitiva, por vezes castradora. Assenta-se no poder legal da autoridade constituída e é em seu seio que os fatos sociais se concretizam, seja para o bem , seja para o mal.
Se essa máquina impessoal, com disse, não dá exemplo de conduta moral do ponto de vista dos indivíduos que a representam na condição de servidores públicos, instaura-se a desordem e a perplexidade da comunidade social diante do dolo, do crime, da corrupção.
Se o Estado, em qualquer instância do poder, falha em sua conduta ética, então a tendência normal por parte do tecido social é considerá-lo sob suspeita e indigno de respeito.
Basta um incidente grave cometido por um de seus membros para que maior seja o sentimento de indignação da sociedade.
No país não se registram apenas casos isolados de improbidade de servidores públicos, civis ou militares. Quando o ato ilícito é praticado por setores do governo, cuja função e responsabilidade são proteger o cidadão dos criminosos e encaminhá-los à justiça, então, a única possibilidade que vejo seria, após rigorosa apuração dos inquéritos instaurados contra o suposto réu, na hipótese de este ser julgado culpado, a perda do cargo a bem do serviço público e, além disso, com a consequente punição e encarceramento do condenado. Mas – sublinhe-se aqui -, com prisão real, sem possibilidades das chamadas brechas da justiça que remontam aos tempos dos meirinhos do reinado de Dom João VI no Brasil, tão bem caricaturados pelo nosso Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) nas deliciosas Memórias de um sargento de Milícias (1853)
Há pouco tomei conhecimento de uma oficial superior da Polícia Militar de São Paulo que supostamente foi acusada de receber polpudas propinas da contravenção a fim de que os criminosos de caça-níqueis ou mesmo do tráfico pudessem conduzir seus negócios espúrios sem serem molestados ou reprimidos por quem deveria por lei fazê-lo. Se comprovada pela justiça tal prática criminosa por parte de um militar, o Estado não pode se omitir, sob pena de flagrante cooptação com os desmandos da criminalidade.
Um fato como esse me leva a refletir sobre o caráter do indivíduo e, por extensão, sobre o caráter do brasileiro que, em linhas gerais, não tem dado bom exemplo nos diversos segmentos da sociedade contemporânea.
Como uma pessoa, escolarizada, algumas com curso superior, tendo sido orientada para o exercício da justiça e do bem comum, de repente, se vê enredada em práticas imorais nas suas funções públicas ou privadas, pois isso também vale para este setor?
Os exemplos de falta de caráter e de honestidade no desempenho de um cargo não são casos, consoante aluldimos atrás, isolados entre nós, mas estatisticamente revelam um número bastante elevado de pessoas sem escrúpulos nem dignidade que, de uma hora para outra, viram manchetes de jornais ou notícias de TV, rádio ou da internet por estarem envolvidas até à medula em prevaricações.
Nos causa medo, até um certo sentimento de prevenção contra quem está no poder, seja nas altas esferas de nossas instituições públicas ou privadas, seja nas esferas inferiores. Esse sentimento de prevenção que nos invade interiormente chega mesmo até à irracionalidade de julgarmos que todo mundo seja um potencial agente da ilegalidade e da corrupção. Sabemos que tal situação não é apenas restrita ao Brasil. Creio, entretanto, que, em nosso país, ela se mostra com maior aprofundamento.
Será possível que não tenhamos a capacidade de reduzir ao máximo essas tendências latentes nos indivíduos de, quando adultos principalmente, se tornarem mais um exemplo da falta de caráter?
É preciso uma reformulação rigorosa da formação moral da pessoa humana. Um dos fatores que muito nos ajudará a contornar aos poucos essa alta incidência de praticantes de imoralidades de todos os matizes será o aprimoramento da educação brasileira, de uma formação integral (Lembremo-nos das sábias lições de Mário Gonçalves Viana expostas na sua notável obra A educação integral. 2 ed. Porto: Editora Educação Nacional, 1950) que não descure do ensino da filosofia com lições adaptadas ao nível fundamental nas suas duas últimas séries e de, pelo menos, uma das séries do ensino médio, e de ensinamentos genuinamente oriundos de fontes cristãs ou de outras religiões ou crenças que ponham a dignidade da pessoa humana como o mais elevado atributo de sua personalidade. Nesse sentido, recorro às palavras de Santa Teresa de Jesús, que dizem: “La tierra que no es labrada llevará abrojos y espinas, aún que fértil; asi el entendimiento del hombre.”