Elmar Carvalho

Acabo de ler o livro Memória e Aprendizado. Trata-se de uma longa entrevista concedida por Assis Brasil à professora Francigelda Ribeiro. Além desta seção principal, a obra ainda contém, na segunda parte, um apêndice biobibliográfico, a cronologia de sua obra, os prêmios literários, a produção cultural, a fortuna crítica e a relação de suas antologias poéticas. Ainda no início de minha juventude, tomei conhecimento da existência do escritor, e li alguns de seus livros, sobretudo os da tetralogia e o romance Os que bebem como cães, que recebeu importante premiação. Nessa época, eu fazia parte do jornal Inovação, que lhe publicou importante entrevista, em sua edição de número 50, de 31 de outubro de 1984, concedida ao colaborador Francisco Fontenele de Carvalho, então residente no Rio de Janeiro. Nessa entrevista, perguntado sobre por que nunca voltara a Parnaíba, AB deu a seguinte resposta: “Acho que nunca voltei porque, primeiro, minha família saiu toda de lá. Segundo, vim muito moço para o Rio de Janeiro, logo que terminei o Científico em Fortaleza. Aqui o começo foi duro, eu sozinho, enfrentando tudo. Eu sofri todas as violências da cidade grande, e o que me salvou, espiritual e fisicamente, foi a literatura.”

 

Creio ter sido esse o início do longo e lento processo de retorno do escritor ao Piauí, conforme disse no sábado, na reunião da APL, em sua presença. No ano seguinte, AB prefaciou a antologia parnaibana Poemágico – a nova alquimia, de que faziam parte os poetas Alcenor Candeira Filho, Paulo Véras, Jorge Carvalho, V. de Araújo e Elmar Carvalho. Nessa apresentação, ele se disse surpreso com o grau de atualização e qualidade dos poetas. Esse texto foi enfeixado no seu livro de ensaios Teoria e prática da crítica literária (Topbooks, Rio de Janeiro, 1995).

 

Posteriormente, Assis Brasil veio participar da posse do escritor e compositor Israel Correia, como secretário da Cultura, na segunda gestão do governador Alberto Silva. Em 1995, quando eu era presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, tive a oportunidade de contribuir para a publicação do importante livro A Poesia Piauiense no Século XX. Apresentei a proposta de publicação da obra aos conselheiros, que a consideraram da mais alta significação para a Literatura Piauiense, uma vez que conteria um longo estudo introdutório sobre a poesia do estado e notas sobre cada poeta, não apenas com dados biográficos, mas sobretudo com análise crítica. A antologia seria editada pela editora Imago em parceria com a Fundação. Em seguida, levei a manifestação do Conselho a dona Eugênia Ferraz, presidente da FCMC, que a aprovou. Recebeu ela o incentivo e o apoio do prefeito Wall Ferraz, para que a parceria editorial pudesse ser contratada.

 

A fim de baratearmos o custo da publicação, sugeri à presidente que contratássemos os serviços da pesquisadora Áurea Queiroz, que forneceria todos os dados e informações que o Assis Brasil solicitasse, o que foi feito de forma exitosa. Em curto espaço de tempo, a A Poesia Piauiense no Século XX foi lançada na Casa da Cultura, recentemente inaugurada pelo prefeito Wall Ferraz, que compareceu a essa memorável, bela e festiva noite literária. Sobre essa seleta, gostaria de transcrever dois pequenos trechos de duas pertinentes críticas: “O escritor, ensaísta, romancista e jornalista Assis Brasil mostra, com esta magnífica antologia, que a literatura do Piauí é um fato e que tem grande importância na literatura brasileira”. (Júlio La Barca – São Paulo.) “A poesia piauiense no século XX, com org., introd. e notas de Assis Brasil, reúne veteranos , novos e novíssimos poetas, uma visão ampla da lírica de Da Costa e Silva, Clóvis Moura, Félix Pacheco, Torquato Neto e dele próprio, Assis Brasil, autor dos mais profícuos da literatura brasileira”. (Sérgio de Castro Pinto – Paraíba.)

 

Como está exposto em Memória e Aprendizado, essa antologia faz parte de uma série de antologias dos estados, muitas das quais já publicadas. Se o projeto de AB pudesse ser concretizado na íntegra, seria o verdadeiro mapeamento da poesia brasileira, porquanto as chamadas antologias nacionais contemplam apenas os poetas que se tornaram conhecidos em todo o país ou, pelo menos, no eixo Rio/São Paulo, salvo uma ou outra exceção, quando sabemos que nas províncias mourejam poetas de altas qualidades, mas restritos e insulados em seu pequeno nicho territorial. Quando lemos as antologias organizadas pelo nosso Assis Brasil, percebemos que nesses estados existem vates de inquestionável valor, mas que não tiveram a oportunidade de se tornarem conhecidos no restante da pátria.

 

Aliás, em suas obras (paradidáticas) sobre a literatura brasileira, ele sempre deu oportunidade aos bons escritores existentes fora do eixo RJ/SP, inclusive do Piauí. Sobre esse monumental projeto de antologia da poemática brasileira, em boa parte já realizado, julgo oportuno citar dois enxertos críticos: “O trabalho de Assis Brasil no sentido de recolher poetas dos estados brasileiros é alguma coisa de excepcional. Denuncia neste gesto, neste trabalho extraordinário, seu caráter nobre e seu desejo de deixar para os pósteros, a visão panorâmica da poesia brasileira neste século”. (Yeda Prates Bernis – Minas Gerais.) “A Imago Editora acertadamente escolheu Assis Brasil para o desempenho de tão importante trabalho. A obra (esse bloco uno e único) a que Assis Brasil se propõe, é um monumento literário que honra qualquer nação.” (José Alcides Pinto – Ceará.) Arrematando esses dois comentários, devo assinalar que o antologista revelou uma extraordinária capacidade de trabalho para executar a árdua e extenuante tarefa de pesquisa, que ademais requer muita paciência, e para escrever as longas introduções e as notas que antecedem os poemas de cada vate.

 

Voltando ao foco inicial deste registro, devo acrescentar que li Memória e Aprendizado quase que de um só gole ou fôlego, tal o interesse que me despertou, tanto na parte mais intimista e pessoal da entrevista, em que o entrevistado conta casos de sua infância, adolescência e juventude, como na parte do “aprendizado”, em que ele fala dos escritores e poetas de sua predileção, quase como se fosse um ensaio ou conferência, tal a profundidade de seus ensinamentos e análises. Deu um grande espaço à literatura piauiense, e dentro desta reservou várias páginas aos poetas Mário Faustino e Da Costa e Silva, sobre os quais discorreu com a maestria de sempre, situando-os em alto patamar da própria literatura brasileira.

 

Em virtude de haver conhecido pessoalmente Mário Faustino, conta fatos inéditos ou pouco conhecidos de sua vida e militância literária. Graças a seus dotes e recursos de grande romancista, fala das mulheres, que foram importantes em sua vida, com tal vivacidade, graça e colorido, que, por vezes, me deu a sensação de estar mergulhando nas histórias de um romance. Sem dúvida, esse livro será de grande importância para os seus futuros biógrafos e críticos, porquanto fornece dados, informações e pistas de sua longa e prolífica carreira literária, pontilhada pelos importantes prêmios literários que recebeu.