Assis Brasil: crítico e o ficcionista, um autor piauiense e uma figura nacional
Em: 12/12/2021, às 21H06
[CUNHA E SILVA FILHO]
Assis Brasil, falecido há alguns dias em Teresina, viveu grande parte de sua longa vida no Rio de Janeiro. Veio para a Cidade Maravilhosa cedo, e nela fixou residência, só voltando ao Piaui já na velhice, instalando-se definitivamente em Teresina.
Sua última residência no Rio foi no simpático bairro do Flamengo. Não sei muito de sua infância e adolescência. Era de Parnaíba. Piauí. Posso afirmar que o conheci primeiro como escritor, como crítico e ensaísta. Como ficcionista, o conheci também há muito tempo, no período em que lecionei língua portuguesa e literatura brasileira no ensino médio.
Porém, confesso que o li mais na condição de crítico literário e ensaísta. No tempo do ensino médio, adotei, uma vez, para seminário de literatura, o seu romance Beira Vida Beira Vida (1956). Na ocasião, já havia proposto alguns temas relacionados a esse romance, sobretudo acerca da condição da prostituição no ambiente em que se desenrola o enredo da obra. Foi muito bom o resultado. Era nos anos de 1980.
Sempre o li e o prestigiei em citações de livros meus e em pesquisas de ensaios até na Pós-Graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) na UFRJ., com é exemplo o meu livro Breve introdução ao curso de letras: uma orientação (Rio de Janeiro: 2009). Li muito Assis Brasil nos áureos tempos em que publicava, no famoso e excelente Jornal de Letras dirigido pelos irmãos Condé, seus bons ensaios sobre autores brasileiros contemporâneos do seu tempo de escrita, na sua coluna Literatura Brasileira Hoje.(Vide o meu artigo de título Jornal de Letras. In: SILVA FILHO: Cunha e. As ideias no tempo (Teresina: Academia Piauiense de Letras (APL) /Brasília: Gráfica do Senado, p.205-206). Prefácio de M. Paulo Nunes.
O curioso foi que só falei com ele uma só vez e, mesmo assim, numa rápida troca de palavras ao telefone no tempo em que ainda morava no Rio de Janeiro. Ele me atendeu bem e de forma gentil. No entanto, me lembro bem de que o via sempre conversando com outras pessoas nas feiras de livros realizadas anualmente na Cinelândia, mas nunca me aproximei dele, talvez por eu ser um tanto tímido. Na época ele era ainda moço.
Outra vez que o vi foi em Teresina, em 2009. Eu tinha ido a Teresina a convite da Academia Piauiense de Letras (APL) a fim de fazer uma conferência sobre a poesia de Da Costa e Silva (1885-1950), na comemoração do centenário da publicação de Sangue (1908) livro de estreia do grande poeta piauiense. Assis Brasil estava no auditório com outros membros da Academia e pessoas convidadas para o evento. Foi numa manhã esplendorosa e ensolarada em Teresina. Entretanto, não falei com ele nem ele comigo. Me disseram que ele não batia palmas para ninguém Todavia, .não pude observar esse fato ao término de minha palestra na APL.
A conferência iria fazer igualmente em Amarante no dia seguinte, no Auditório da Câmara Municipal. O convite da Academia me foi feito pela pessoa do educador, crítico literário e ensaísta M. Paulo Nunes, falecido este ano. Ele foi, durante muito tempo, uma espécie de amigo e ao mesmo tempo correspondente meu literário em Teresina, graças a quem meus artigos eram publicados em jornais de Teresina, como o Meio-Norte e sobretudo o Diário do Povo. Antes quem encaminhava meus artigos fora o meu saudoso pai, Cunha e Silva (1905-1990).
Há alguns anos, escrevi uma breve resenha do romance de Assis Brasil de título Os que bebem como cães.(1975).Essa resenha a incluí no meu livro As ideias no tempo (2008). Na verdade, enfatizo o meu contato com Assis brasil foi mesmo através de seus livros de ensaios e de alguns livros paradidáticos sobre literatura brasileira. Praticamente tenho boa parte de seus de ensaios.
Assis Brasil começou sua carreira de ficcionista com um livro infanto-juvenil, de título Verdes mares bravios (1953). Todavia, logo depois publica um bom ensaio sobre o ficcionista norte-americano, Prêmio Nobel, William Faulkner: Faulkner e a técnica do romance. Nesse ensaio, Assis Brasil cedo demonstra o seu lado crítico-ensaístico e penso que foi a partir dessa obra que o crítico começou a ganhar notoriedade no ensaísmo brasileiro. Basta afirmar que passou quatro anos escrevendo o ensaio, escrito com clareza e densidade e revelador de um pesquisador sério, minucioso e atualizado. Basta ver a bibliografia exibida pelo autor. Depreende-se, aí, o longo trajeto que percorreu ao analisar toda a obra conhecida do escritor de O som e a fúria (1929). Ademais com esse ensaio revela o conhecimento profundo que o autor tinha da literatura norte-americana e de outras autores - vasta leitura bebida nas fontes originais, tanto das narrativas quanto da bibliografia teórica da época da escrita do volume.
Assis Brasil ganhou vários prêmios ( abiscoitou o Prêmio Walmap por duas vezes). Foi também ganhador do prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira Letras (ABL). É curioso, porém desconheço se alguns dos seus romances mais vendidos foram traduzidos para outras línguas. Entretanto, tenho notícia de que só uma obra sua, de título A vida não é real ( uma novela e seis contos (1975) foi traduzida para o espanhol e o italiano.
Só sei que o estudioso de literatura brasileira, o crítico literário e ensaísta americano Malcolm Silverman (1946-2008), professor do College of Arts and Letters da Universidade Estadual de San Diego que, por sinal, tive o prazer de conhecer numa conferência por ele pronunciada na Academia Brasileira de Letras (APL), lhe dedica várias páginas no notável livro de ensaios Protesto e o novo romance brasileiro. 2. Ed rev. ( Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Tradução de Carlos Araújo, 2000.
A Assis Brasil, o ensaísta e crítico literário americano citado acima dedica quatro páginas analisando, percucientemente, alguns romances de Assis Brasil. Dissecando romances de viés político-social, o autor americano põe a nu as “chagas” sociais e morais de uma burguesia urbana do bairro de Copacabana em tempos de ditadura militar. É nesse ponto que, a meu ver, o escritor, o ficcionista, através de suas narrativas, põe à prova a sua visão da sociedade, sobretudo no recorte que faz da vida da burguesia em toda sua crueza, imoralidade e perversão. São nesse ensaio analisados livros como Os crocodilos(1980), O destino da carne (1982), a par de alusões globais que faz de outras obras de Assis Brasil, mencionando o “Ciclo de Terror” e aludindo ainda a um das obras que compõem aquele Ciclo, Os que bebem como cães (1975), romance, segundo ele, “...altamente politizado”(p.142).
Para concluir essas breves e perfunctórias notas sobre a vastíssima obra de Assis Brasil, devo me reportar ao aspecto fulcral da sua crítica e de suas ideias teóricas sobre o fenômeno literário. Tanto nos livros paradidáticos que escreveu quanto nos ensaios acadêmicos, na ficção, na literatura infanto-juvenil, cumpre tecer algumas considerações de ordem geral.
Esse crítico deixou um bom legado no gênero ensaístico, em obras de referências, de historiografia literária de autores mais novos para o tempo em que as produziu, porém um legado, cuja tônica recai sobre a sua forma original de observar e entender a obra literária. Das suas leituras, depreende-se que foi leitor intensivo e extensivo de obras teóricas acerca da literatura, não somente de autores brasileiros de relevo como também de inúmeros autores estrangeiros, notadamente em inglês, francês e espanhol, idiomas em que, pelo que deduzo de sua bibliografia consultada e compulsada, lia bem. Não sei se os falava ou nelas escrevia.
Para simplificar, o seu pensamento crítico tende a uma abordagem visceralmente estética, dando maior ênfase a dois elementos fundamentais no estudo de uma obra literária: a forma e a linguagem. Centrado nesses dois elementos, ele desenvolve a análise ou hermenêutica de sua crítica de obras nos diversos gêneros.
Posto que tenha lido de forma atualizada autores teóricos da literatura, o seu approach tende a analisar e julgar os valores estéticos ou sociais de uma obra literária. Mas, Assis Brasil discernia um outro elemento fundante de sua crítica, era um certo cuidado e zelo para não se deixar contaminar de teorias estrangerias sempre impostas à análise de um obra. Preferia guardar distância entre extremos, nem dogmatismo nem impressionismo.
Um crítica, cujo approach partiria da própria obra interpretada, ou seja, dos valores intrínsecos e extrínsecos, em unidade, mas sem extremismos de ambas as partes. Em suma, um crítica nascida do que diz o texto na expressão formal como nos seus elementos internos e extewrnos, enfatizando mais uma vez: : linguagem e axiologia textual, onde caberiam a língua, a linguagem, o estilo e a capacidade imaginativa e criadora da obra literária. Seria, em outras palavras, uma procura incessante e renovadora de uma autonomia do ato criador formalizado e protocolado na especificidade da linguagem literária.
E nisso se tornava original e atuante esmiuçando a estrutura da obra de forma - diria - brasileira na tentava de fazer crítica com autonomia, sem o vezo puramente acadêmico de transferências alienígenas e sem engessamentos diluídos do estrangeiro. A partir dessa aproximação original no exame do fenômeno literário, ele produzia seus ensaios. Sendo um crítico nato e um estudioso atento e criterioso, principalmente dos autores nacionais mais próximos de nós, afora os estrangeiros, Assis Brasil acompanhou muito de perto os movimentos de vanguarda entre nós.
Por exemplo, a partir do Concretismo de 1956, seguidos de outros movimentos derivados ou desviados do Concretismo, assim como o surgimento de outras vertentes poéticas posteriores. Sendo, assim aparelhado, sobretudo a começar do seu período de produção no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB) a sua ampla experiência e vivência desses novos tempos literários e culturais na prosa e na poesia lhe propiciou um desenvoltura de entender o que era a literatura brasileira “atual, “ i.e., no tempo de sua intensa judicatura crítica. Daria um exemplo significativo a sua crítica era destemida e batia forte no adversário como foi aquele artigo contundente a propósito de um texto de José Guilherme Merquior (1941-1991) - “Notas sobre a nova poesia brasileira,” no qual o futuro grande ensaísta, crítico literário, historiador literário e pensador José Guilherme Merquior foi repetidamente criticado. Assis Brasil começa o seu artigo assim : “Um crítico cheio de preconceitos em relação às vanguardas poéticas no Brasil, é José Guilherme Merquior”. Vide BRASIL, Assis. Geração de 1956 In: Técnica de ficção moderna. Rio de Janeiro: Nórdica; Brasília: INL, 1982. p. 234-238 E por aí vai.
Finalmente, para quem desejar conhecer o pensamento crítico de Assis Brasil, seria conveniente ler o que ele entende por crítica literária, estudo consubstanciado num breve ensaio publicado na Revista Tempo Brasileiro: Crítica literária : impressionismo ou dogmatismo? In: Função da crítica. AA.VV. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 60, jan. març. de 1980, p. 79-84. Este mesmo ensaio foi também incluído na obra Técnica da ficção moderna.Op. cit,. P.260-265.
Para um estudo abrangente do pensamento crítico de Assis Brasil, é recomendável os seus ensaios sob o título geral de História crítica da literatura brasileira, da série A Nova literatura composta de 4 volumes, em especial o volume IV: A crítica. Todos publicados pela Companhia Editora Americana.