Assis Brasil: crítico e o ficcionista,  um autor piauiense e uma  figura nacional    (Texto ampliado, corrigido revisado e atualizado)

           

                 CUNHA E SILVA FILHO

(Da  Academia Brasileira de Filologia -ABRAFIL)

                                                                                                                                  A meus filhos,  Frncisco Cunha  Neto e Alexandre

 

            Assis Brasil (1932--2021) viveu  grande parte de sua longa vida no Rio de Janeiro.  Viveu  praticamente da  literatura, pois foi muito  prolífico, contando-se o número de obras escritas e publicadas,  ainda em vida, para  mais de uma centena de livaris, incluindo  aí  a literatura  infanto-juvenil. . Destarte,  penso que Assis Brasil   ultrapassou, em número de  livros  publicados,  o  escritor  Coelho Neto 18641934(), otro  ficionsita  prolífico..Anos depois,  depois,  foi residir em Teresina, onde se estableceu definitivamente e na qual faleceu,  bem idoso, em.   . Era de  cidade litorânea de Parnaíba, Piauí, Foi, bem jovem,  para  a  " Cidade Maravilhosa,". onde   inicou sua  vitoriosa carreira literária  e  atuou no jornalismo literário .no  jornalismo,  estacando-se logo  como  um crítico  literário, exigente,   historiador  literário,  ensaísta  de primeira linha,  . Acho até que ultrapassuo  em  número de livros   eidtados   a figura de Coelho Neto;

         Sua última residência no Rio foi no simpático  bairro do  Flamengo. Não sei muito de sua  infância e adolescência. Era de Parnaíba. Piauí.  Posso afirmar  que o conheci  primeiro  como escritor, como  crítico e ensaísta. Como ficcionista,   o conheci   também  há muito tempo, no período em que  lecionei  língua portuguesa e literatura brasileira no ensino médio de uma  escola  privada..

       Porém,  confesso   que o li mais na condição de crítico literário e ensaísta. No tempo do ensino médio,   adotei,  uma vez, para seminário  de literatura,  o seu romance Beira Vida Beira Vida (1956). Na ocasião, já havia proposto alguns   temas  relacionados a esse romance, sobretudo acerca da  condição da prostituição no ambiente em que  se desenrola o enredo  da obra.    Foi muito bom  o resultado.   Era nos anos de 1980.

        Sempre o li  e o prestigiei  em citações  de livros meus   e em pesquisas de ensaios  até na Pós-Graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) na UFRJ., com é exemplo   o  meu livro Breve  introdução ao  curso de letras: uma  orientação(Rio de Janeiro: 2009).  Li também   muito Assis Brasil  nos áureos tempos em que  publicava, no famoso e excelente Jornal de Letras dirigido pelos irmãos Condé,  seus  bons ensaios sobre autores  brasileiros contemporâneos do seu  tempo  de escrita, na sua coluna Literatura Brasileira Hoje.(Vide o meu artigo de título “Jornal de Letras”. In:  SILVA FILHO: Cunha e. As ideias no tempo (Teresina: Academia Piauiense de Letras (APL) /Brasília: Gráfica do Senado, p.205-206).  Prefácio de M. Paulo Nunes.

     O curioso foi que só falei com ele uma só vez e, mesmo assim, numa rápida troca de palavras   ao telefone no tempo em que ainda morava no Rio de Janeiro. Ele me atendeu bem  e de  forma  gentil. No entanto,  me lembro bem de que o via sempre  conversando com outras pessoas   nas feiras de livros  realizadas anualmente na Cinelândia,  mas nunca me aproximei dele,  talvez por eu ser um tanto  tímido. Na época ele era ainda moço.

     Outra vez que o vi foi em Teresina, em 2009. Eu tinha ido a Teresina, a convite da Academia Piauiense de Letras (APL)  a fim de fazer uma conferência sobre a poesia de Da Costa e Silva (1885-1950), na comemoração   do centenário  da publicação de  Sangue (1908)  livro de estreia do grande  poeta  piauiense.

   Assis Brasil estava no auditório com outros membros da  Academia  e pessoas  convidadas  para o evento.  Foi numa   manhã  esplendorosa   e ensolarada em Teresina.  Entretanto,  não falei  com ele nem ele comigo no final de minha conferência.. Me disseram que  ele não batia palmas pra ninguém. Contudo, não observei esse fato ao término de minha palestra  na APL.

       A    conferência   iria   fazer  igualmente  em Amarante  no dia seguinte, no   Auditório da Câmara Municipal.  O convite  da Academia  me foi  feito pela pessoa do  educador,   crítico literário e     ensaísta M. Paulo Nunes,  já falecido. Paulo Nunes foi, durante muito   tempo,  uma espécie de amigo  e ao mesmo tempo correspondente meu literário  em Teresina,  graças a quem  meus artigos  eram  publicados em jornais de Teresina,  como o Meio-Norte e sobretudo o Diário do Povo.  Antes   quem   encaminhava meus artigos fora o meu saudoso   pai, Cunha e Silva (1905-1990).

              Há alguns anos  escrevi   uma  breve resenha   do romance  de Assis Brasil,  de título Os que bebem como cães.(1975).Essa  resenha a  incluí no meu livro  As ideias no tempo (2008). Na verdade,   enfatizo  que  o meu  contato com Assis brasil  foi mesmo através  de seus  livros de ensaios e  alguns livros  didáticos  de literatura brasileira. Praticamente,  tenho boa parte de seus   de ensaios.

            Assis Basil começou sua   carreira de ficcionista com  um livro infanto-juvenil, intitulado Verde mares bravios (1953)  Todavia,   logo depois  publica ele um  bom ensaio, a sua estreia nesse gênero  literário,  sobre  o ficcionista norte-americano, Prêmio Nobel,   William Faulkner (1897-1962):  Faulkner e a  técnica   do romance (1982).

      Nesse ensaio,   o escritor cedo demonstra o seu  lado crítico-ensaístico e penso que foi a partir  dessa obra que o crítico  começou a ganhar notoriedade   como ensaísta e crítico respeitado por muita gente que entende do riscado em estudos literários.

 Basta afirmar que passou quatro anos   escrevendo    o ensaio sobre Faulkner,   com  clareza , densidade  e  revelador  de um pesquisador sério  minucioso e atualizado. Basta ver   a bibliografia    exibida pelo  autor. Depreende-se,  aí, o  longo trajeto  que percorreu  ao  analisar  toda a obra  conhecida   do  escritor   de O som e a fúria. Ademais,  com esse   ensaio  revela   o conhecimento   profundo  que o autor   tinha  da literatura norte-americana e de outras autores  -  vasta  leitura bebida nas fontes  originais, tanto das narrativas  quanto  da bibliografia  teórica da  época da escrita do volume.

    Brasil  ganhou  prêmios ( abiscoitou  o Prêmio Walmap por duas vezes). Foi também ganhador   do prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira Letras (ABL). É curioso, porém   desconheço se alguns dos  seus romances   mais vendidos   foram  traduzidos para outras línguas. Bem o  merecia  pelo conjunto de toda sua  obra  que chega  a mais de um centena de livros editados durante a sua  longa e produtiva vida  Entretanto,    tenho notícia de que só uma obra sua, de título A vida não é real ( uma novela e seis  contos (1975) foi traduzida para o espanhol e o italiano.  Nesse  ponto,   me parece que lhe faltou  estímulo  para procurar agentes de editoras.     

     Só sei que o  estudioso de literatura  brasileira,   o  crítico  literário e ensaísta americano  Malcolm Silverman (1946-2008), professor  do   College of Arts  and Letters  da Universidade Estadual de San Diego, autor,   por sinal,  que  tive o prazer  de conhecer  numa  notável  conferência por ele  pronunciada  na Academia Brasileira de Letras (APL),   lhe dedica  várias páginas  no  seu bem  consultado livro de ensaios  Protesto e o novo romance brasileiro.  2. Ed rev. (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Tradução de Carlos Araújo, 2000.

   A Assis Brasil  o ensaísta e crítico literário americano dedica quatro  páginas analisando, percucientemente,  alguns de seus  romances, dissecando-os nos seu aspectos temáticos  e estéticos,  quase  priorizando o    viés  político-social do  ficcionista  piauiense.    O historiador americano , profundo conhecedor de autores  brasileiros,   põe  a nu   as “chagas” sociais  e morais de uma burguesia   urbana  do bairro de Copacabana em tempos  de ditadura  militar.  É nesse ponto  que,  a meu ver,   o ficcionista, através de suas narrativas, põe à prova a sua   visão   da sociedade,   sobretudo  no  recorte que faz   da vida da burguesia   em toda sua   crueza,  imoralidade e perversão. São nesse ensaios analisados  que Malcom Silverman, analisa  obras  do ficcionista, historiador e crítico  piauiense. como  Os crocodilos (1980), O destino da carne  (1982),  a  par de alusões  globais que faz  de outras  obras  de Assis Brasil,   mencionando um dos mais  bem  realizados  grupos de  obras  poprchamdos de Ciclos,   o “Ciclo    de  Terror” e aludindo ainda a um das obras  que compõem aquele Ciclo, Os que bebem como cães(1975), romance,  segundo ele,   “...altamente  politizado”(p.142).

       O curioso  é que o  próprio  Assis Brasil,  num de seus depoimentos,  alegava que não precisava  escrever ficção   engajada ou próxima a uma natureza panfletária, visto que,  segundo sua visão  estética   do fenômeno literário,  a  própria condição dos elementos internos    de um  obra  já sinalizam,  por si mesma,  a tão  por vezes  reclamada (injustamente,  deve-se  assinalar)  dimensão  política  ou social  de uma   obra ficcional.

       Em outras palavras, o fato de um autor escrever acerca, por  exemplo,  o submundo  social,  já  pressupõe  afirmar  que o autor   está  antenado  com  a dimensão  político-ideológica  de uma determinada ficção   ou melhor    dizendo,   ou narrador, não confundindo  este com  o autor, como afirma Vítor Manuel  de Aguiar e Silva ( Ver sua monumental obra Teoria da Literatura. 8ª.ed. Coimbra: Livraria  Almedina,  2011p. 222: “

É necessário, porém, distinguir adequadamente entre o autor enquanto sujeito empírico e histórico, cujo nome civil figura em  regra na capa e no frontispício  das suas obras – um cidadão juridicamente  identificável ,com um  determinado  estatuto social. profissional, etc. e o emissor que assume imediata e especificamente  a responsabilidade da enunciação ( grifo do autor) de um dado texto literário e que se manifesta sob  a e a função de um eu oculta ou  explicitamente presente  e actuante no enunciado, isto é, no próprio texto literário. (grifo do autor.)

    Para concluir essas breves e perfunctórias  notas  sobre  a vastíssima  obra de Assis Brasil,  devo  me reportar  ao aspecto  fulcral  da sua crítica e de suas ideias teóricas  sobre  o fenômeno  literário. Tanto   nos livros  paradidáticos  que escreveu  quanto nos  ensaios acadêmicos, na ficção, na literatura  infanto-juvenil,   cumpre tecer algumas considerações de ordem geral.   

  Esse crítico   deixou  um bom legado    no gênero  ensaístico, em obras de referências, de historiografia  literária de autores mais novos  para o tempo  em que as produziu,    porém um  legado,  cuja tônica    recai  sobre a sua forma  original  de  observar e entender  a obra literária.  Das suas leituras   depreende-se que   foi leitor   intensivo   e extensivo  de obras teóricas  acerca da literatura,   não somente de autores  brasileiros  de relevo  como também de inúmeros  autores  estrangeiros, notadamente  em  inglês,  francês  e espanhol, idiomas em que, pelo que deduzo  de sua bibliografia  consultada e compulsada,    lia   bem.   Não sei   se os falava ou nelas escrevia. 

   Para simplificar,    o seu pensamento  crítico    tende a uma abordagem  visceralmente estética,   dando  maior  ênfase a dois elementos fundamentais   no estudo de um  obra literária:  a forma e a linguagem. Centrado  nesses dois elementos,  ele desenvolve  a análise  ou hermenêutica  de sua  crítica de obras  nos diversos  gêneros.

    Posto que   tenha  lido  de forma atualizada  autores  teóricos    da literatura, o seu approach tende a analisar  e julgar   os valores  estéticos  ou sociais  de uma  obra literária.  Mas,   Assis Brasil  discernia  um  outro elemento  fundante  de sua  crítica:    era um certo cuidado  e zelo  para não se deixar  contaminar  de  teorias  estrangeiras  sempre  impostas   à análise de uma  obra.  Preferia guardar   distância entre   extremos, sem dogmatismo nem  impressionismo.

    Um crítica,   cujo approach  partiria  da própria  obra  interpretada, ou seja,  dos valores  intrínsecos e  extrínsecos,  em  unidade, mas sem  extremismos de ambas as partes. Em suma,  um crítica nascida  do que  diz  o texto na expressão  formal  como  nos seus elementos  internos e estruturais,  enfatizando mais uma vez:  : linguagem  e axiologia  textual, onde  caberiam  a língua, a linguagem,   o estilo  e a capacidade imaginativa e criadora  da obra literária.  

      Seria,  em outras palavras,  uma  procura  incessante e renovadora   de uma autonomia que talvez perseguia a sua crítica   em direção a  um  pensamento  teórico  brasileiro do ato criador formalizado   e protocolado na especificidade da linguagem literária e excessivamente eivado de  abordagens estrangeira, as quais inundaram (por vezes  inadequadamente, sobretudo  durante a onda do estruturalismo ),   máxime, pelo menos,  nas últimas quatro décadas de nossos estudos literários  via universitária,  .      

   E  nisso  se tornava  original  e atuante  esmiuçando  a estrutura da obra   de forma   - diria -   brasileira,  na tentava  de  fazer crítica  com autonomia, sem o vezo puramente acadêmico  - cumpre reiterar -   de   transferências  alienígenas   e sem  engessamentos   diluídos do estrangeiro.  

     A partir  dessa  aproximação  original  no exame  do fenômeno literário,  ele   produzia seus  ensaios.   Sendo um crítico nato e um estudioso atento e criterioso, principalmente   dos autores nacionais   mais próximos de nós,  afora os estrangeiros,  Assis Brasil  acompanhou  muito de perto   os movimentos de vanguarda entre nós.     

     

     Por exemplo,  a partir do Concretismo de  1956, seguidos de outros movimentos  derivados  ou desviados do Concretismo, assim como  o surgimento     de outras vertentes  poéticas   posteriores. 

   Sendo, assim  aparelhado,   sobretudo   a começar  do seu   período de produção  no  Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB),com   sua ampla  experiência e vivência   desses novos tempos  literários e culturais   na prosa  e na poesia, lhe propiciaram  um desenvoltura de   entender  o que era a literatura  brasileira  “atual, “  i.e., no tempo  de sua intensa  judicatura  crítica.

    Daria um exemplo significativo   a sua crítica  era destemida   e batia forte no  adversário como foi aquele artigo  contundente a proposto de um texto  de  José Guilherme Merquior (1941-1991) -   “Notas sobre a nova  poesia brasileira,”    no  qual o  futuro   grande ensaísta, crítico literário,   historiador  literário  e pensador  José  Guilherme Merquior(1940-) foi repetidamente  criticado.  Assis Brasil começa o seu artigo assim: “Um crítico cheio de preconceitos em relação às vanguardas poéticas no Brasil,  é José  Guilherme Merquior”(1941-1991). (Vide BRASIL, Assis.  Geração de 1956 In:  Técnica de ficção  moderna. Rio de Janeiro: Nórdica;  Brasília: INL, 1982. p. 234-238.  E por aí vai.   

    Finalmente, para quem desejar   conhecer o  pensamento  crítico de Assis Brasil,    seria   conveniente ler  o que  ele entende por crítica literária,  estudo consubstanciado   num  breve ensaio  publicado  na Revista Tempo  Brasileiro: Crítica literária : impressionismo   ou dogmatismo? In:  Função da crítica. AA.VV. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 60, jan. març. de 1980, p. 79-84. Este  mesmo ensaio  foi também incluído na obra  Técnica  da ficção moderna. Op. cit,.  p.260-265. 

   Para um  estudo  abrangente  do pensamento  crítico  de Assis Brasil, é recomendável os seus ensaios sob o título geral de  História  crítica  da literatura brasileira, da série A Nova literatura    composta  de  4 volumes, em especial  o volume  IV: A crítica.  Todos    publicados  pela  Companhia Editora  Americana.

     Só para concluir, perguntado  por alguém  que livro   de natureza não ficcional,  ele julgava como o seu preferido. A resposta  do autor do “Ciclo do Horror”, constituído dos livros Os que bebem como cães  (1975),  O aprendizado da morte (1976),  Deus, o Sol. Shakespeare (1978) Os crocodilos (1980) foi simplesmente  imprevisível : O meu Dicionário do conhecimento estético, editado pela Ediouro (1984).