Assis Brasil: crítico e ficcionista: um autor piauiense e uma figura nacional
Por Cunha e Silva Filho Em: 23/04/2024, às 15H19
Assis Brasil: crítico e o ficcionista, um autor piauiense e uma figura nacional (Texto ampliado, corrigido revisado e atualizado)
CUNHA E SILVA FILHO
(Da Academia Brasileira de Filologia -ABRAFIL)
A meus filhos, Frncisco Cunha Neto e Alexandre
Assis Brasil (1932--2021) viveu grande parte de sua longa vida no Rio de Janeiro. Viveu praticamente da literatura, pois foi muito prolífico, contando-se o número de obras escritas e publicadas, ainda em vida, para mais de uma centena de livaris, incluindo aí a literatura infanto-juvenil. . Destarte, penso que Assis Brasil ultrapassou, em número de livros publicados, o escritor Coelho Neto 18641934(), otro ficionsita prolífico..Anos depois, depois, foi residir em Teresina, onde se estableceu definitivamente e na qual faleceu, bem idoso, em. . Era de cidade litorânea de Parnaíba, Piauí, Foi, bem jovem, para a " Cidade Maravilhosa,". onde inicou sua vitoriosa carreira literária e atuou no jornalismo literário .no jornalismo, estacando-se logo como um crítico literário, exigente, historiador literário, ensaísta de primeira linha, . Acho até que ultrapassuo em número de livros eidtados a figura de Coelho Neto;
Sua última residência no Rio foi no simpático bairro do Flamengo. Não sei muito de sua infância e adolescência. Era de Parnaíba. Piauí. Posso afirmar que o conheci primeiro como escritor, como crítico e ensaísta. Como ficcionista, o conheci também há muito tempo, no período em que lecionei língua portuguesa e literatura brasileira no ensino médio de uma escola privada..
Porém, confesso que o li mais na condição de crítico literário e ensaísta. No tempo do ensino médio, adotei, uma vez, para seminário de literatura, o seu romance Beira Vida Beira Vida (1956). Na ocasião, já havia proposto alguns temas relacionados a esse romance, sobretudo acerca da condição da prostituição no ambiente em que se desenrola o enredo da obra. Foi muito bom o resultado. Era nos anos de 1980.
Sempre o li e o prestigiei em citações de livros meus e em pesquisas de ensaios até na Pós-Graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) na UFRJ., com é exemplo o meu livro Breve introdução ao curso de letras: uma orientação(Rio de Janeiro: 2009). Li também muito Assis Brasil nos áureos tempos em que publicava, no famoso e excelente Jornal de Letras dirigido pelos irmãos Condé, seus bons ensaios sobre autores brasileiros contemporâneos do seu tempo de escrita, na sua coluna Literatura Brasileira Hoje.(Vide o meu artigo de título “Jornal de Letras”. In: SILVA FILHO: Cunha e. As ideias no tempo (Teresina: Academia Piauiense de Letras (APL) /Brasília: Gráfica do Senado, p.205-206). Prefácio de M. Paulo Nunes.
O curioso foi que só falei com ele uma só vez e, mesmo assim, numa rápida troca de palavras ao telefone no tempo em que ainda morava no Rio de Janeiro. Ele me atendeu bem e de forma gentil. No entanto, me lembro bem de que o via sempre conversando com outras pessoas nas feiras de livros realizadas anualmente na Cinelândia, mas nunca me aproximei dele, talvez por eu ser um tanto tímido. Na época ele era ainda moço.
Outra vez que o vi foi em Teresina, em 2009. Eu tinha ido a Teresina, a convite da Academia Piauiense de Letras (APL) a fim de fazer uma conferência sobre a poesia de Da Costa e Silva (1885-1950), na comemoração do centenário da publicação de Sangue (1908) livro de estreia do grande poeta piauiense.
Assis Brasil estava no auditório com outros membros da Academia e pessoas convidadas para o evento. Foi numa manhã esplendorosa e ensolarada em Teresina. Entretanto, não falei com ele nem ele comigo no final de minha conferência.. Me disseram que ele não batia palmas pra ninguém. Contudo, não observei esse fato ao término de minha palestra na APL.
A conferência iria fazer igualmente em Amarante no dia seguinte, no Auditório da Câmara Municipal. O convite da Academia me foi feito pela pessoa do educador, crítico literário e ensaísta M. Paulo Nunes, já falecido. Paulo Nunes foi, durante muito tempo, uma espécie de amigo e ao mesmo tempo correspondente meu literário em Teresina, graças a quem meus artigos eram publicados em jornais de Teresina, como o Meio-Norte e sobretudo o Diário do Povo. Antes quem encaminhava meus artigos fora o meu saudoso pai, Cunha e Silva (1905-1990).
Há alguns anos escrevi uma breve resenha do romance de Assis Brasil, de título Os que bebem como cães.(1975).Essa resenha a incluí no meu livro As ideias no tempo (2008). Na verdade, enfatizo que o meu contato com Assis brasil foi mesmo através de seus livros de ensaios e alguns livros didáticos de literatura brasileira. Praticamente, tenho boa parte de seus de ensaios.
Assis Basil começou sua carreira de ficcionista com um livro infanto-juvenil, intitulado Verde mares bravios (1953) Todavia, logo depois publica ele um bom ensaio, a sua estreia nesse gênero literário, sobre o ficcionista norte-americano, Prêmio Nobel, William Faulkner (1897-1962): Faulkner e a técnica do romance (1982).
Nesse ensaio, o escritor cedo demonstra o seu lado crítico-ensaístico e penso que foi a partir dessa obra que o crítico começou a ganhar notoriedade como ensaísta e crítico respeitado por muita gente que entende do riscado em estudos literários.
Basta afirmar que passou quatro anos escrevendo o ensaio sobre Faulkner, com clareza , densidade e revelador de um pesquisador sério minucioso e atualizado. Basta ver a bibliografia exibida pelo autor. Depreende-se, aí, o longo trajeto que percorreu ao analisar toda a obra conhecida do escritor de O som e a fúria. Ademais, com esse ensaio revela o conhecimento profundo que o autor tinha da literatura norte-americana e de outras autores - vasta leitura bebida nas fontes originais, tanto das narrativas quanto da bibliografia teórica da época da escrita do volume.
Brasil ganhou prêmios ( abiscoitou o Prêmio Walmap por duas vezes). Foi também ganhador do prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira Letras (ABL). É curioso, porém desconheço se alguns dos seus romances mais vendidos foram traduzidos para outras línguas. Bem o merecia pelo conjunto de toda sua obra que chega a mais de um centena de livros editados durante a sua longa e produtiva vida Entretanto, tenho notícia de que só uma obra sua, de título A vida não é real ( uma novela e seis contos (1975) foi traduzida para o espanhol e o italiano. Nesse ponto, me parece que lhe faltou estímulo para procurar agentes de editoras.
Só sei que o estudioso de literatura brasileira, o crítico literário e ensaísta americano Malcolm Silverman (1946-2008), professor do College of Arts and Letters da Universidade Estadual de San Diego, autor, por sinal, que tive o prazer de conhecer numa notável conferência por ele pronunciada na Academia Brasileira de Letras (APL), lhe dedica várias páginas no seu bem consultado livro de ensaios Protesto e o novo romance brasileiro. 2. Ed rev. (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Tradução de Carlos Araújo, 2000.
A Assis Brasil o ensaísta e crítico literário americano dedica quatro páginas analisando, percucientemente, alguns de seus romances, dissecando-os nos seu aspectos temáticos e estéticos, quase priorizando o viés político-social do ficcionista piauiense. O historiador americano , profundo conhecedor de autores brasileiros, põe a nu as “chagas” sociais e morais de uma burguesia urbana do bairro de Copacabana em tempos de ditadura militar. É nesse ponto que, a meu ver, o ficcionista, através de suas narrativas, põe à prova a sua visão da sociedade, sobretudo no recorte que faz da vida da burguesia em toda sua crueza, imoralidade e perversão. São nesse ensaios analisados que Malcom Silverman, analisa obras do ficcionista, historiador e crítico piauiense. como Os crocodilos (1980), O destino da carne (1982), a par de alusões globais que faz de outras obras de Assis Brasil, mencionando um dos mais bem realizados grupos de obras poprchamdos de Ciclos, o “Ciclo de Terror” e aludindo ainda a um das obras que compõem aquele Ciclo, Os que bebem como cães(1975), romance, segundo ele, “...altamente politizado”(p.142).
O curioso é que o próprio Assis Brasil, num de seus depoimentos, alegava que não precisava escrever ficção engajada ou próxima a uma natureza panfletária, visto que, segundo sua visão estética do fenômeno literário, a própria condição dos elementos internos de um obra já sinalizam, por si mesma, a tão por vezes reclamada (injustamente, deve-se assinalar) dimensão política ou social de uma obra ficcional.
Em outras palavras, o fato de um autor escrever acerca, por exemplo, o submundo social, já pressupõe afirmar que o autor está antenado com a dimensão político-ideológica de uma determinada ficção ou melhor dizendo, ou narrador, não confundindo este com o autor, como afirma Vítor Manuel de Aguiar e Silva ( Ver sua monumental obra Teoria da Literatura. 8ª.ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2011p. 222: “
É necessário, porém, distinguir adequadamente entre o autor enquanto sujeito empírico e histórico, cujo nome civil figura em regra na capa e no frontispício das suas obras – um cidadão juridicamente identificável ,com um determinado estatuto social. profissional, etc. e o emissor que assume imediata e especificamente a responsabilidade da enunciação ( grifo do autor) de um dado texto literário e que se manifesta sob a e a função de um eu oculta ou explicitamente presente e actuante no enunciado, isto é, no próprio texto literário. (grifo do autor.)
Para concluir essas breves e perfunctórias notas sobre a vastíssima obra de Assis Brasil, devo me reportar ao aspecto fulcral da sua crítica e de suas ideias teóricas sobre o fenômeno literário. Tanto nos livros paradidáticos que escreveu quanto nos ensaios acadêmicos, na ficção, na literatura infanto-juvenil, cumpre tecer algumas considerações de ordem geral.
Esse crítico deixou um bom legado no gênero ensaístico, em obras de referências, de historiografia literária de autores mais novos para o tempo em que as produziu, porém um legado, cuja tônica recai sobre a sua forma original de observar e entender a obra literária. Das suas leituras depreende-se que foi leitor intensivo e extensivo de obras teóricas acerca da literatura, não somente de autores brasileiros de relevo como também de inúmeros autores estrangeiros, notadamente em inglês, francês e espanhol, idiomas em que, pelo que deduzo de sua bibliografia consultada e compulsada, lia bem. Não sei se os falava ou nelas escrevia.
Para simplificar, o seu pensamento crítico tende a uma abordagem visceralmente estética, dando maior ênfase a dois elementos fundamentais no estudo de um obra literária: a forma e a linguagem. Centrado nesses dois elementos, ele desenvolve a análise ou hermenêutica de sua crítica de obras nos diversos gêneros.
Posto que tenha lido de forma atualizada autores teóricos da literatura, o seu approach tende a analisar e julgar os valores estéticos ou sociais de uma obra literária. Mas, Assis Brasil discernia um outro elemento fundante de sua crítica: era um certo cuidado e zelo para não se deixar contaminar de teorias estrangeiras sempre impostas à análise de uma obra. Preferia guardar distância entre extremos, sem dogmatismo nem impressionismo.
Um crítica, cujo approach partiria da própria obra interpretada, ou seja, dos valores intrínsecos e extrínsecos, em unidade, mas sem extremismos de ambas as partes. Em suma, um crítica nascida do que diz o texto na expressão formal como nos seus elementos internos e estruturais, enfatizando mais uma vez: : linguagem e axiologia textual, onde caberiam a língua, a linguagem, o estilo e a capacidade imaginativa e criadora da obra literária.
Seria, em outras palavras, uma procura incessante e renovadora de uma autonomia que talvez perseguia a sua crítica em direção a um pensamento teórico brasileiro do ato criador formalizado e protocolado na especificidade da linguagem literária e excessivamente eivado de abordagens estrangeira, as quais inundaram (por vezes inadequadamente, sobretudo durante a onda do estruturalismo ), máxime, pelo menos, nas últimas quatro décadas de nossos estudos literários via universitária, .
E nisso se tornava original e atuante esmiuçando a estrutura da obra de forma - diria - brasileira, na tentava de fazer crítica com autonomia, sem o vezo puramente acadêmico - cumpre reiterar - de transferências alienígenas e sem engessamentos diluídos do estrangeiro.
A partir dessa aproximação original no exame do fenômeno literário, ele produzia seus ensaios. Sendo um crítico nato e um estudioso atento e criterioso, principalmente dos autores nacionais mais próximos de nós, afora os estrangeiros, Assis Brasil acompanhou muito de perto os movimentos de vanguarda entre nós.
Por exemplo, a partir do Concretismo de 1956, seguidos de outros movimentos derivados ou desviados do Concretismo, assim como o surgimento de outras vertentes poéticas posteriores.
Sendo, assim aparelhado, sobretudo a começar do seu período de produção no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB),com sua ampla experiência e vivência desses novos tempos literários e culturais na prosa e na poesia, lhe propiciaram um desenvoltura de entender o que era a literatura brasileira “atual, “ i.e., no tempo de sua intensa judicatura crítica.
Daria um exemplo significativo a sua crítica era destemida e batia forte no adversário como foi aquele artigo contundente a proposto de um texto de José Guilherme Merquior (1941-1991) - “Notas sobre a nova poesia brasileira,” no qual o futuro grande ensaísta, crítico literário, historiador literário e pensador José Guilherme Merquior(1940-) foi repetidamente criticado. Assis Brasil começa o seu artigo assim: “Um crítico cheio de preconceitos em relação às vanguardas poéticas no Brasil, é José Guilherme Merquior”(1941-1991). (Vide BRASIL, Assis. Geração de 1956 In: Técnica de ficção moderna. Rio de Janeiro: Nórdica; Brasília: INL, 1982. p. 234-238. E por aí vai.
Finalmente, para quem desejar conhecer o pensamento crítico de Assis Brasil, seria conveniente ler o que ele entende por crítica literária, estudo consubstanciado num breve ensaio publicado na Revista Tempo Brasileiro: Crítica literária : impressionismo ou dogmatismo? In: Função da crítica. AA.VV. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 60, jan. març. de 1980, p. 79-84. Este mesmo ensaio foi também incluído na obra Técnica da ficção moderna. Op. cit,. p.260-265.
Para um estudo abrangente do pensamento crítico de Assis Brasil, é recomendável os seus ensaios sob o título geral de História crítica da literatura brasileira, da série A Nova literatura composta de 4 volumes, em especial o volume IV: A crítica. Todos publicados pela Companhia Editora Americana.
Só para concluir, perguntado por alguém que livro de natureza não ficcional, ele julgava como o seu preferido. A resposta do autor do “Ciclo do Horror”, constituído dos livros Os que bebem como cães (1975), O aprendizado da morte (1976), Deus, o Sol. Shakespeare (1978) Os crocodilos (1980) foi simplesmente imprevisível : O meu Dicionário do conhecimento estético, editado pela Ediouro (1984).