Lançamento: "Assim eu conto a história de Anansi"
Em: 15/09/2023, às 22H12
Por ser uma história de cunho intercultural, que se preocupa em aproximar culturas e criar pontes entre as diferentes etnias, o livro traz várias particularidades da cultura do Gana tanto no texto verbal, quanto no imagético.
Dílson Lages – Márcia, que argumento sustenta a escritura de Assim eu conto a história de Anansi?
Márcia Evelin – O livro conta a história de uma aranha chamada Anansi que quer ter a posse de todas as histórias, guardadas por Nyame, o criador, para contar aos povos de todo o mundo. Essa foi a história que conheci de Anansi, da cultura africana, e que me serviu de mote para pensar como ela conseguiria realizar seu objetivo. Seu reconto – Assim eu conto a história de Anansi – leva essa curiosa aranha a passar por várias provas que lhe permitem não só adquirir as histórias, como também o dom e a sabedoria para as contar. Nesse percurso Anansi ganha o dom de se metamorfosear e descobre os segredos da essência das histórias, quando se transforma em um velho griô, em uma mulher dançante e em um pajé. Uma história que traz muitos simbolismos e metáforas, que reforça a importância de rituais e de conhecimentos outros que precisam ser recuperados nos dias de hoje. Cabe ao leitor(a) descobri-los nas entrelinhas da história.
Crianças em especial têm um encanto especial por personagens. Querem se enxergar neles, parece que mais do que qualquer leitor. Quais os personagens da narrativa e que simbologia eles trazem?
Anansi, Ananse, Anancy, Kwake Ananse ou Ananse Ntontan como também é conhecida na cultura africana é a personagem protagonista da história, uma aranha astuta, originária do povo Ashanti, nativos do Gana, que se espalhou por todo o oeste africano (África ocidental e subsaariana). No reconto, Anansi simboliza a criatividade e a sabedoria e tem o poder não só de se metamorfosear como também de se transmutar para tempos e espaços múltiplos, um tempo-espaço espiralar e ancestral, que também pode representar um não tempo e um não lugar, em que tudo é possível de acontecer, bem como a possibilidade de entrelaçar culturas diferentes, de aproximá-las através das histórias, representadas por um fio que une, o fio de Anansi. Além de Anansi, todos os outros personagens do livro são seres humanos que atuam na dimensão do sagrado, do mítico, do ritualístico, em sociedades/comunidades de oralidade, que têm a ver com ancestralidade.
Como em livros anteriores seus, especialmente O menino congo, esse é também um livro que remete a outras culturas?
Por ser uma história de cunho intercultural, que se preocupa em aproximar culturas e criar pontes entre as diferentes etnias, o livro traz várias particularidades da cultura do Gana tanto no texto verbal, quanto no imagético, como as referências a gastronomia do país, retratada nos pratos servidos à Anansi; o uso das adinkras, símbolos da cultura local; uso de expressões na língua Akan, dentre outros, o que possibilita a exploração de várias temáticas. O guia para ampliar o conhecimento e despertar a imaginação do leitor, através da mediação dos cuidadores e educadores, que se encontra no final do livro foi pensado para colaborar com esse compromisso.
Como a criança pode se encontra na leitura de Assim eu conto a história de Anansi?
A criança vai se encontrar durante toda a narrativa, seja na figura da aranha Anansi e suas artimanhas para conseguir a posse das histórias, seja nas metamorfoses (isso elas adoram!) e provas vividas por ela, assim como na experiência dos rituais, que inclusive podem ser experienciados durante a leitura. Mas é preciso que seja inteligente para também fazer a leitura das entrelinhas, já que a história esconde muitas sabedorias.
Livro para a infância tem a obrigação de criar representações próprias do mundo da criança. Qual o lugar da infância nessa obra?
Partindo do pressuposto de que a infância habita todo ser humano e que pode ser traduzida na sua capacidade de viver e inventar novos modos de vida, independente de sua idade cronológica, eu diria que a história corrobora com esse propósito do começo ao fim, principalmente no poder de transformação e movimento da personagem Anansi, bem como em sua curiosidade e persistência.
Adultos também se encontram em livros para a infância. O que pode encantar o adulto em Assim eu conto a história de Anansi?
Essa é uma história para a infância de todas as idades, isso quer dizer que agrada as várias gerações. Quando escrevo uma história, não costumo pensar numa faixa-etária específica, embora o meu público-alvo sejam as crianças, mas em elementos que considero essenciais para se gostar de uma história como: o encantamento, a interatividade, a intertextualidade, a inventividade, a musicalidade, além de marcas da oralidade, já que são histórias para serem contadas. São livros que não têm a função didático-pedagógica como principal característica, mas que presam por seu valor estético e ético (literatura é arte), que concentram várias linguagens.