As quitandas de minha vida

[Chagas Botelho]

No meu tempo não havia supermercado e sim quitandas. Nem eram mercadinhos, eram apenas quitandas. Ao entrar, o cheiro de secos e molhados, tão característicos, exalava. Engraçado, já frequentei vários supermercados (inclusive de rede), mas nenhum deles tem cheiro de quitanda. Porque o aroma daqueles estabelecimentos antigos era singular.

Nas quitandas, tinha de um tudo. E tudo amontoado. Papai fumava e me obrigava: “Vai comprar papelina”. Você, meu caro leitor (a), sabe que diabo é papelina? Respondo. Era um papelzinho bem fininho de embrulhar o fumo que, enrolado, fazia-se o cigarro de palha. E eu ia. Comprava um maço de papelina branca na quitanda do seu Quinca, a mais famosa e sortida da cidade. Ai de mim se não fosse.

Ontem, de madrugada, assisti a um filme da década de 1980. Uma película de origem americana. E nela, havia sim um supermercado. As personagens centrais passeavam entre as gôndolas - as famosas prateleiras abarrotadas. Quase morri quando assisti. Porque nesses idos anos, lá na minha terrinha, “supermarket” como dizem os americanos, nem em sonho existia.

Ainda bem. As quitandas da minha meninice foram experiências jamais esquecidas. Únicas. No entanto, neste assunto, há apenas um detalhe a acrescentar, ainda sobre os mandados de meu pai, aliás, dos meus irmãos, eu fui o maior moleque de recado do velho, é que morria de medo quando ele me mandava comprar vara de marmelo. Nas quitandas de miudezas, elas estavam sempre expostas na entrada.

E, sabe por quê? Não darei a resposta, quem dará é o grande e saudoso cronista Carlos Heitor Cony: “Uma surra de vara de marmelo era o recurso mais eficaz para colocar a prole em bom estado de moralidade e bom comportamento”. Meu Deus, por que justo agora fui me lembrar de quitandas e de vara de marmelo?