As eleições gerais de 1970, uma batalha campal em Bertolínia.
Por Reginaldo Miranda Em: 13/04/2025, às 20H44

Reginaldo Miranda[1]
Desde a chegada de José Nunes Meireles à cidade de Bertolínia, a oposição ganhou novo impulso, fortalecendo-se com a adesão de dissidentes do esquema situacionista. Ele tinha alguma força porque era apoiado por deputados da cidade de Floriano, de onde procedia, e abrigara-se numa sublegenda da ARENA, assim dividindo critérios políticos junto ao governo estadual. Conseguia um cargo ou outro para seus correligionários, o que lhe fortalecia. Em 1966, elegera-se vereador da municipalidade e chegara ao auge de sua força política nas eleições de 1970. Naquela altura José Meireles possuía uma indústria de beneficiamento de cereais (Indústrias Reunidas de Alimentos - IRAL) para manter-se economicamente e editava um mensário por nome “A luta”, em que divulgava suas ideias e atacava ferozmente os políticos da situação local, inclusive o juiz de direito Alair Rocha, em face deste ter parentesco com aqueles. Era tido por muitos como imbatível para as eleições que se avizinhavam. Porém, foi triturado pela máquina dermevaliana antes do pleito, sendo cassado do cargo de vereador por falta de decoro, fato que o tornou inelegível. Então, na última hora teve de lançar sua esposa Terezinha de Jesus Brito Meireles[2] para concorrer ao cargo de prefeita, tendo por companheiro de chapa o jovem bertolinense Geraldo José da Fonseca, que concorreu ao cargo de vice-prefeito. Era o grupo da ARENA 2.
Na situação o prefeito Benito Pereira da Silva fazia uma gestão bem avaliada pela população, mas sem direito à reeleição. Surgiu assim naturalmente a candidatura majoritária do vice-prefeito Josias Rocha da Silva para concorrer à prefeitura (ARENA 1). Serventuário da justiça, casado com a tabeliã Juraci Rocha, depois ele a substituindo no cartório, além de fazendeiro bem estruturado. Era uma inteligência política e vinha se firmando como liderança, ao lado de Dermeval Rocha. Josias e Benito se completavam politicamente e externavam as características que o grupo político precisava, sagacidade e popularidade, respectivamente. No comando dessa campanha estava o velho líder Dermeval Mendes da Rocha com 78 anos de idade, àquela altura enfrentando enfermidade, mas ainda cioso de sua força política. Dentro do Município, recomendava aos amigos os seus candidatos. Nos dias de feira sua casa ficava cheia de eleitores do interior, que o procuravam para tratar de seus problemas pessoais ou apenas para prosearem, saberem as notícias da política. Junto às lideranças estaduais ia avalizando os aliados e reforçando seus pleitos, nos últimos anos enfrentando dificuldades com o governo estadual. Por essa razão, em carta a um deputado estadual, seu parente e aliado, queixou-se:
“Quando a gente fica velho parece que os amigos vão se afastando, mas ainda sou um velho que recobrando minha saúde posso ser útil aos amigos”[3].
Josias convidou para seu companheiro de chapa o fazendeiro Martinho Duarte Franco, que novamente concorreu ao cargo de vice-prefeito.
Assim, os dois grupos antagônicos partiram para o embate nas eleições de 15 de novembro de 1970. Foi uma luta sem trégua, de porta em porta, de casa em casa, verdadeira batalha campal pelas ruas da cidade e pelos caminhos e veredas da zona rural, disputada voto a voto e mobilizando todos os segmentos sociais. Campanha de muitas denúncias e ataques pessoais. No final, a ARENA 1 venceu por 41 votos de diferença. Josias Rocha obteve 743 votos contra 702 da candidata Terezinha Meireles, sendo 63 votos brancos e 35 nulos.
Para a câmara municipal elegeu a situação três vereadores: Deusdete Almeida da Fonseca, Edmilson José Rodrigues e Antônio Vieira da Silva (Antoninho Simão); a oposição dois: Raimundo Gonçalves dos Santos, o mais votado, com 204 votos e Oriel Honório Correia.
Josias Rocha foi sacrificado com um mandato tampão de apenas dois anos, mas fez profícua gestão. Adquiriu um motor à diesel e iluminou as principais ruas da cidade. Esse motor era desligado às 22 horas, depois de alertar com um sinal dez minutos antes. Os ânimos estavam tão exaltados que alguns oposicionistas se recusaram a instalar essa energia em suas residências, só o fazendo com o passar do tempo. Raimundo Falcão (Mundico Falcão), por exemplo, instalou um motor particular em sua casa residencial, para não utilizar o da prefeitura. Na inauguração dessa rede elétrica houve festa, grandes comemorações com foguetes e uma música, que assim iniciava: “Josiiias, Josiiias, me conte uma história aqui. Lá embaixooo se diziaaa que a luz não ííía saiiir! Josiiias, Josiiias,...”[4].
Embora fosse criança, tenho boas lembranças dessa gestão administrativa e dessa fase da vida política bertolinense, entre outros motivos, porque minha mãe Eunice de Miranda e Silva exercera o cargo de tesoureira municipal (hoje secretária de finanças) e minha madrinha Raimunda Martins da Rocha (Doquinha), secretária da prefeitura (naquele tempo existia apenas uma secretaria-geral). Também, passei férias escolares, de princípio de janeiro a meados de fevereiro de 1972, na fazenda Riacho do Mendes, com a família do prefeito, de quem era parente.
[1] Advogado e escritor. Foi vice-prefeito municipal de Bertolínia. Membro titular da Academia Piauiense de Letras, de que foi presidente em dois biênios consecutivos. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí, de que é atual vice-presidente e coordenar editorial. Mestrando em Direito Constitucional pela UNIFOR. Integra pela segunda vez, lista sêxtupla para o cargo de desembargador do TJPI. Contato: [email protected].
[2] Era natural da cidade de Santa Filomena, residente em Bertolínia.
[3] Carta datada de 15 de novembro de 1967, ao deputado estadual Wilson Parente da Rocha Martins (cópia em nosso poder).
[4] A expressão “Lá embaixo”, era uma alusão à parte baixa da cidade (Praça da Bandeira ou do Mercado), em cujo entorno moravam os principais líderes da oposição, em contraposição ao partido situacionista, cujas lideranças moravam no entorno da Praça da Matriz, parte mais alta da cidade.