Amarante: centenário de Sangue, de Da Costa e Silva
Em: 07/04/2009, às 19H53
Por Cunha e Silva Filho
Uma viagem de carro com o professor e escritor Dílson Lages, o poeta e historiador literário, Herculano Moraes, que foi meu antigo vizinho dos tempos de adolescente da Rua São Pedro esquina com Arlindo Nogueira e o Marcos, cuidadoso e competente motorista do professor, crítico literário e ensaísta M. Paulo Nunes. Destino: Amarante, Piauí, umas duas horas de viagem aproximadamente
Depois, uma parada na estrada bem asfaltada, para um gostoso café com bolo frito. Restaurante simples, porém acolhedor. Nele - me contou o Herculano Moraes -, irão reservar um pequeno estande para livros que poderão ser lidos ou comprados, não sei bem, pelos que por ali pararem.
Retornamos à estrada, rumo à minha terra, onde estive da última vez em 1990 para visitar a sepultura de meu pai, Cunha e Silva (1905-1990). Muita ansiedade, alegria e expectativa.
Olho a paisagem dos dois lados da estrada. paisagem do Piauí,no céu do Piauí. O céu se me afigura baixo como se desejasse vir falar comigo.
Dentro do automóvel se falava de tudo, mas o foco nuclear eram assuntos de literatura e política local. É evidente que, ao falarmos de literatura, nos vinham logo à baila nomes de autores piauienses, principalmente.
Já o carro se adentrava nas primeiras ruas da velha Amarante que ainda não correspondia à imagem que dela guardo.
Eu me imaginava, num flashback, indo, aos três anos, para morar em Teresina. Era o ano de 1948. Papai e mamãe, no ônibus aberto, com assentos duros, me levavam a uma desconhecida viagem para Teresina. Lá iríamos fixar residência. Meu pai, lecionar; mamãe, cuidar de casa e dos filhos pequenos:Sônia, Winston, Francisco e Evandro.
Já nos encontramos, agora, no coração de Amarante com os seus marcos principais, sua artéria principal - a mais do que famosa Avenida Amaral, na qual nasci e acredito que também meus outros três irmãos, a escadaria solitária nos observando com curiosidade e, lá embaixo, o velho Parnaíba, nosso “velho monge”; no horizonte,as serras...
Momentos de emoção pura. Meu coração hipertenso bate mais forte, acelerado mesmo. Olho ambos os lados da Amaral e as casas me parecem falar de muita coisa a meu respeito e a respeito dos meus ancestrais.
Vejo, no entanto, que a memória se concentra mais num ponto: a figura de papai que ali esta eternizada de corpo e alma. É uma epifania que toma conta de mim. As velhas casas, centenárias algumas, de formas arquitetônicas diversas, sobressaindo algumas de azulejo na fachada, dão a impressão de que delas alguém conhecido, talvez um parente remanescente, de inopinado nos venha acolher.
É domingo de manhã O sol está aberto. Entretanto, por enquanto, não o vejo nos rigores de Teresina. .A chegada nossa começa a se fazer notar. Alguém, não sei quem, chama por outrem, que chama por outrem até se formar uma cadeia de informações sobre um evento.
O domingo impõe uma certa reclusão . Todavia, as casas, na maioria, não estão com portas abertas. Uma coisa é certa. O evento há de ser realizado, ainda que a presença de pessoas seja restrita.
Uma figura imprescindível surge para alterar a frouxidão domingueira. Justamente entra em cena um médico paraibano, mas de alma amarantina: Dr. Francisco Almeida, conhecido pelo apelido afetivo de Tatá.
O dr. Almeida nos recebe de braços abertos. Nele se pode afirmar que tudo ressuma a memória da poesia de Da Costa e Silva. No seu belo Espaço de Saúde e Cultura “Poeta Da Costa e Silva,Tatá torna-se, assim, um guardião da biografia e da poesia dacostiana. Declamador nato, dono de memória privilegiada, fez de seu Espaço de Saúde e Cultura uma espécie de lugar especial ou mesmo de monumento destinado a perpetuar e, principalmente, a cultivar a memória do poeta-mor de Amarante e do Piauí. Tatá fala da vida do poeta como se falasse da genealogia da sua própria família. O que ainda é melhor: ao fazer comentários sobre a biografia dacostiana, pára às vezes, para recitar algum poema do bardo.
À entrada do lado direito do seu Espaço de Saúde e Cultura, há uma espécie de Mural, além da imponente estátua em tamanho natural do poeta em pé segurando, com uma das mãos, um livro e olhando em direção ao rio Parnaíba e às serras, ao longe. Esse lado do Espaço deve-se ao trabalho artístico-arquitetônico de Hostyan Machado.
O Mural se compõe de seis pinturas, todas alusivas à biografia e à poesia dacostiana.”, ou antes, à pictorização de alguns poemas. Em “Carta a minha mãe",o nome "Alice" que, no poema e, na pintura, aparece, é a sua filha Alice, do segundo matrimônio. Os outros poemas são: “Cântico do Sangue”, “Poemas do meu amor ingênuo,” “A moenda”, “o rio,” e “Canção da Morte.”
Saímos encantados do monumento à memória do autor de Sangue. Em seguida, fui apresentado ao Presidente da Academia de Letras do Médio Parnaíba, o Virgílio Queiroz, professor de história, pessoa de excelente trato, tipo de criatura que logo ganha nossa estima pela simplicidade em tudo, pelo valor que devota às letras e à cultura. É um apaixonado por Amarante.
A minha palestra sobre Da Costa e Silva se deu no arejado auditório da Câmara Municipal de Amarante, que fica na Avenida Amaral. Tudo quase desemboca nessa Avenida. Não há como falar de Amarante sem mencionar essa velha avenida.
Antes de iniciar minha palestra, se aproximou de mim um simpático repórter, Denison Duarte, segurando numa das mãos, um pequeno gravador. Ele trabalha para o jornal Meio-Norte com matéria divulgada na Internet. . Me chamou a atenção o fato de que aquele repórter é pessoa dotada de extema delicadeza, e particularmente , a formulação de suas perguntas tinha uma característica que me agrada sobremaneira: fazia perguntas inteligentes, cheias de emoção, que de imediato me puseram à vontade. Creio que, graças à sua maneira inteligente de fazer perguntas, as minhas respostas me saíram com uma naturalidade incomum, brotadas da mais profunda dimensão do meu ser. Foi um encantamento essa entrevista, talvez a que, até hoje, mais me deixou feliz.
Naquele momento, não sei por que razão, estava extremamente emocionado ao me referir a aspectos da minha vida intelectual e a facetas do meu lado afetivo. Foi um belo e raro instante da minha subjetividade. Não negarei que minhas palavras naquela hora se misturavam a lágrimas e a lembranças díspares e tão caras quando piso em solo amarantino.
Logo depois, me encaminhei ao salão da Câmara Municipal para a conferência. Não havia tanta gente, mas me bastava ver, do alto da mesa sobre o estrado, aquelas pessoas de minha terra que, num domingo de descanso, saindo da sua rotina e de seu merecido repouso, acorreram ao local.
A abertura do evento foi conduzida pelo Presidente da Academia de Letras do Médio Parnaíba. A apresentação foi feita pelo historiador e poeta Herculano Moraes, membro da Academia Piauiense de Letras.
Proferi minha conferência. Mais um momento de deslumbramento ou mesmo daquele alumbramento bandeiriano se apoderou das minhas entranhas.
Após a palestra, o que mais me fascinou foram as pessoas, jovens e adultos, estudantes, professores, que se dirigiram a mim para um abraço fraternal. Entre os presentes, devo citar o jovem pároco de Amarante, Padre Raimundo Neto, que, da plateia, sorridente e atento, me lançava confortadoras energias. Naquele momento, usou da palavra o Tatá, que fez uma comovente e breve apreciação sobre o evento e declamou alguns poemas ou partes de poemas de Da Costa e Silva.
Outras pessoas presentes pediram para externar seus agradecimentos sobre a importância do evento e a necessidade de realizar semelhantes acontecimentos, como o pároco da Matriz de Amarante, que, numa oração primorosa, manifestou sua alegria pelo que minha palestra, em certo passo, significava em termos da procura de encontrar o sentido da verdade. As palavras do padre de Amarante me calaram fundo pela sinceridade, alegria e eloquência com que foram enunciadas. Professoras de língua portuguesa e de literatura ainda usaram da palavra agradecidas pela oportunidade daquela manhã dedicada ao maior poeta do Piauí. Entre elas, se encontrava a professora e doutora em teoria literária, Raimunda Celestina Mendes da Silva, membro da Academia de Letras. do Médio Parnaíba e professora da Universidade Estadual do Maranhão (Caxias), a qual, por coincidência, faz parte comigo e com outros autores piauienses, com exceção de Claudio Cezar Henriques, da UERJ, do livro de ensaios sobre literatura piauiense de título Geografias literárias confrontos : o local e o nacional (Rio de Janeiro: Caetés, 2003) organizado pelo professor piauiense da UERJ, Francisco Venceslau dos Santos, com a colaboração da mencionada professora.
Uma outra figura de destaque na cidade de Amarante, uma senhora já idosa, mas muito lúcida, malgrado andasse apoiando-se a uma bengala, subiu ao estrado e, com olhar penetrante e perscrutador, me veio cumprimentar e tecer alguns comentários de ordem política. Era a Bizinha. Ela, diante de mim, me parecia uma "figura lendária", expressão que Clóvis Moura (1925-2003)usou para designar seu pai, outro filho de Amarante. Mulher de palavra cadenciada e fluente, me transmitia a consciência de seu papel histórico de mulher decidida e honrada na cidade de Amarante, cidade por ela adotada de corpo e alma, conforme me confessou. Seus comentários, sobretudo sobre o passado da política local, se referiam a fatos da sua vida e luta nessa cidade.
Fiquei extremamente emocionado, indo às lágrimas, quando ela, falando sobre papai, comentou a atitude dele após ter notícias de que terminara a Segunda Guerra Mundial. Aos gritos, lá no final da Avenida Amaral, alegre, aos pulos, festivo, com a alma lavada, lembrou ela os gestos, as palavras, o contentamento dele celebrando, entusiasticamente, o final do conflito mundial. Palavras de meu pai que poderiam, se quisermos usar da imaginação, ter sido assim exclamadas com a voz vibrante própria de um orador talentoso, como era ele:
-- Amarantinos, companheiros, brasileiros, acabou a Segunda Guerra! Acabou! Acabou! Viva o Brasil! Viva Amarante! A paz, enfim, está às nossas portas. Somos livres. Venceu a democracia. Abaixo a hediondez das guerras. Para nunca mais! Meu pai tinha, na época, apenas 40 anos. Três anos depois, sai de Amarante e se fixa em Teresina até a sua volta definitiva para Amarante, em 1990, mas já na transcendência e superação da matéria.
Portanto, seleta platéia ali esteve nos prestigiando. Que mais poderia desejar quem já de si encontrara, em Amarante, as dádivas da felicidade?
Missão cumprida do ponto de vista cultural. Faltavam mais duas etapas: visitar a sepultura de papai O calor era sufocante dentro do cemitério com muito mato aqui e ali. Reparei que o Virgílio Queiroz, não se aguentando com a temperatura elevada, por instantes tirou a camisa. Saí, porém, desanimado porque não consegui identificar a sepultura de papai, ainda que o Virgílio e o Dílson Lages me tivessem auxiliado. Apenas deixei, no meu interior, meus pensamentos voltados para ele e minhas bênçãos à sua alma querida.
De volta, novamente na Avenida Amaral, me dirijo para uma casa de saudades, na qual residiram o tio Enoch, que foi prefeito de Amarante, e sua esposa, uma santa criatura, a tia Maricô, Nessa mesma casa ainda residem as suas filhas, as minhas duas primas, graças a Deus, ainda vivas: a Dioneia e a Valdineia. Uma terceira irmã delas, a Maria Nilza, o Valdo e o Netinho, seus irmãos, já nos deixaram. Maria Nilza, professora, foi uma das mais lindas mulheres que conheci. Tinha belos olhos azuis. Lembrava-me a atriz inglesa Ellisabeth Taylor.Valdineia e Dioneia – filhas ilustres de Amarante -, são parte de minha infância e adolescência quando ainda residia eu em Teresina. Valdineia é professora aposentada. Dioneia, bem idosa, ao me ver, me sorriu com aquele doce sorriso aberto de uma amarantina autêntica. Elas simbolizam o que antigamente chamávamos “reservas morais” de um ser humano. Muita coisa ainda poderia falar sobre as duas, sobretudo sobre o período em que Valdineia morou com a minha família, em Teresina, lá na Rua 24 de Janeiro, centro. Na minha despedida, a minha prima Valdineia me entregou um pacote bem arrumado. Era um presente para minha mulher. Só no Rio de Janeiro descobri o seu conteúdo: um delicioso doce de goiaba.
Regressamos a Teresina. Já se fazia noitinha. Na estrada, retomamos o menu principal dentro do carro: falar sobre política, homens, livros, vida literária e até fofoca literária. Em suma, tudo o que cabe de bom e de ruim no coração e na razão dos homens.
Depois, uma parada na estrada bem asfaltada, para um gostoso café com bolo frito. Restaurante simples, porém acolhedor. Nele - me contou o Herculano Moraes -, irão reservar um pequeno estande para livros que poderão ser lidos ou comprados, não sei bem, pelos que por ali pararem.
Retornamos à estrada, rumo à minha terra, onde estive da última vez em 1990 para visitar a sepultura de meu pai, Cunha e Silva (1905-1990). Muita ansiedade, alegria e expectativa.
Olho a paisagem dos dois lados da estrada. paisagem do Piauí,no céu do Piauí. O céu se me afigura baixo como se desejasse vir falar comigo.
Dentro do automóvel se falava de tudo, mas o foco nuclear eram assuntos de literatura e política local. É evidente que, ao falarmos de literatura, nos vinham logo à baila nomes de autores piauienses, principalmente.
Já o carro se adentrava nas primeiras ruas da velha Amarante que ainda não correspondia à imagem que dela guardo.
Eu me imaginava, num flashback, indo, aos três anos, para morar em Teresina. Era o ano de 1948. Papai e mamãe, no ônibus aberto, com assentos duros, me levavam a uma desconhecida viagem para Teresina. Lá iríamos fixar residência. Meu pai, lecionar; mamãe, cuidar de casa e dos filhos pequenos:Sônia, Winston, Francisco e Evandro.
Já nos encontramos, agora, no coração de Amarante com os seus marcos principais, sua artéria principal - a mais do que famosa Avenida Amaral, na qual nasci e acredito que também meus outros três irmãos, a escadaria solitária nos observando com curiosidade e, lá embaixo, o velho Parnaíba, nosso “velho monge”; no horizonte,as serras...
Momentos de emoção pura. Meu coração hipertenso bate mais forte, acelerado mesmo. Olho ambos os lados da Amaral e as casas me parecem falar de muita coisa a meu respeito e a respeito dos meus ancestrais.
Vejo, no entanto, que a memória se concentra mais num ponto: a figura de papai que ali esta eternizada de corpo e alma. É uma epifania que toma conta de mim. As velhas casas, centenárias algumas, de formas arquitetônicas diversas, sobressaindo algumas de azulejo na fachada, dão a impressão de que delas alguém conhecido, talvez um parente remanescente, de inopinado nos venha acolher.
É domingo de manhã O sol está aberto. Entretanto, por enquanto, não o vejo nos rigores de Teresina. .A chegada nossa começa a se fazer notar. Alguém, não sei quem, chama por outrem, que chama por outrem até se formar uma cadeia de informações sobre um evento.
O domingo impõe uma certa reclusão . Todavia, as casas, na maioria, não estão com portas abertas. Uma coisa é certa. O evento há de ser realizado, ainda que a presença de pessoas seja restrita.
Uma figura imprescindível surge para alterar a frouxidão domingueira. Justamente entra em cena um médico paraibano, mas de alma amarantina: Dr. Francisco Almeida, conhecido pelo apelido afetivo de Tatá.
O dr. Almeida nos recebe de braços abertos. Nele se pode afirmar que tudo ressuma a memória da poesia de Da Costa e Silva. No seu belo Espaço de Saúde e Cultura “Poeta Da Costa e Silva,Tatá torna-se, assim, um guardião da biografia e da poesia dacostiana. Declamador nato, dono de memória privilegiada, fez de seu Espaço de Saúde e Cultura uma espécie de lugar especial ou mesmo de monumento destinado a perpetuar e, principalmente, a cultivar a memória do poeta-mor de Amarante e do Piauí. Tatá fala da vida do poeta como se falasse da genealogia da sua própria família. O que ainda é melhor: ao fazer comentários sobre a biografia dacostiana, pára às vezes, para recitar algum poema do bardo.
À entrada do lado direito do seu Espaço de Saúde e Cultura, há uma espécie de Mural, além da imponente estátua em tamanho natural do poeta em pé segurando, com uma das mãos, um livro e olhando em direção ao rio Parnaíba e às serras, ao longe. Esse lado do Espaço deve-se ao trabalho artístico-arquitetônico de Hostyan Machado.
O Mural se compõe de seis pinturas, todas alusivas à biografia e à poesia dacostiana.”, ou antes, à pictorização de alguns poemas. Em “Carta a minha mãe",o nome "Alice" que, no poema e, na pintura, aparece, é a sua filha Alice, do segundo matrimônio. Os outros poemas são: “Cântico do Sangue”, “Poemas do meu amor ingênuo,” “A moenda”, “o rio,” e “Canção da Morte.”
Saímos encantados do monumento à memória do autor de Sangue. Em seguida, fui apresentado ao Presidente da Academia de Letras do Médio Parnaíba, o Virgílio Queiroz, professor de história, pessoa de excelente trato, tipo de criatura que logo ganha nossa estima pela simplicidade em tudo, pelo valor que devota às letras e à cultura. É um apaixonado por Amarante.
A minha palestra sobre Da Costa e Silva se deu no arejado auditório da Câmara Municipal de Amarante, que fica na Avenida Amaral. Tudo quase desemboca nessa Avenida. Não há como falar de Amarante sem mencionar essa velha avenida.
Antes de iniciar minha palestra, se aproximou de mim um simpático repórter, Denison Duarte, segurando numa das mãos, um pequeno gravador. Ele trabalha para o jornal Meio-Norte com matéria divulgada na Internet. . Me chamou a atenção o fato de que aquele repórter é pessoa dotada de extema delicadeza, e particularmente , a formulação de suas perguntas tinha uma característica que me agrada sobremaneira: fazia perguntas inteligentes, cheias de emoção, que de imediato me puseram à vontade. Creio que, graças à sua maneira inteligente de fazer perguntas, as minhas respostas me saíram com uma naturalidade incomum, brotadas da mais profunda dimensão do meu ser. Foi um encantamento essa entrevista, talvez a que, até hoje, mais me deixou feliz.
Naquele momento, não sei por que razão, estava extremamente emocionado ao me referir a aspectos da minha vida intelectual e a facetas do meu lado afetivo. Foi um belo e raro instante da minha subjetividade. Não negarei que minhas palavras naquela hora se misturavam a lágrimas e a lembranças díspares e tão caras quando piso em solo amarantino.
Logo depois, me encaminhei ao salão da Câmara Municipal para a conferência. Não havia tanta gente, mas me bastava ver, do alto da mesa sobre o estrado, aquelas pessoas de minha terra que, num domingo de descanso, saindo da sua rotina e de seu merecido repouso, acorreram ao local.
A abertura do evento foi conduzida pelo Presidente da Academia de Letras do Médio Parnaíba. A apresentação foi feita pelo historiador e poeta Herculano Moraes, membro da Academia Piauiense de Letras.
Proferi minha conferência. Mais um momento de deslumbramento ou mesmo daquele alumbramento bandeiriano se apoderou das minhas entranhas.
Após a palestra, o que mais me fascinou foram as pessoas, jovens e adultos, estudantes, professores, que se dirigiram a mim para um abraço fraternal. Entre os presentes, devo citar o jovem pároco de Amarante, Padre Raimundo Neto, que, da plateia, sorridente e atento, me lançava confortadoras energias. Naquele momento, usou da palavra o Tatá, que fez uma comovente e breve apreciação sobre o evento e declamou alguns poemas ou partes de poemas de Da Costa e Silva.
Outras pessoas presentes pediram para externar seus agradecimentos sobre a importância do evento e a necessidade de realizar semelhantes acontecimentos, como o pároco da Matriz de Amarante, que, numa oração primorosa, manifestou sua alegria pelo que minha palestra, em certo passo, significava em termos da procura de encontrar o sentido da verdade. As palavras do padre de Amarante me calaram fundo pela sinceridade, alegria e eloquência com que foram enunciadas. Professoras de língua portuguesa e de literatura ainda usaram da palavra agradecidas pela oportunidade daquela manhã dedicada ao maior poeta do Piauí. Entre elas, se encontrava a professora e doutora em teoria literária, Raimunda Celestina Mendes da Silva, membro da Academia de Letras. do Médio Parnaíba e professora da Universidade Estadual do Maranhão (Caxias), a qual, por coincidência, faz parte comigo e com outros autores piauienses, com exceção de Claudio Cezar Henriques, da UERJ, do livro de ensaios sobre literatura piauiense de título Geografias literárias confrontos : o local e o nacional (Rio de Janeiro: Caetés, 2003) organizado pelo professor piauiense da UERJ, Francisco Venceslau dos Santos, com a colaboração da mencionada professora.
Uma outra figura de destaque na cidade de Amarante, uma senhora já idosa, mas muito lúcida, malgrado andasse apoiando-se a uma bengala, subiu ao estrado e, com olhar penetrante e perscrutador, me veio cumprimentar e tecer alguns comentários de ordem política. Era a Bizinha. Ela, diante de mim, me parecia uma "figura lendária", expressão que Clóvis Moura (1925-2003)usou para designar seu pai, outro filho de Amarante. Mulher de palavra cadenciada e fluente, me transmitia a consciência de seu papel histórico de mulher decidida e honrada na cidade de Amarante, cidade por ela adotada de corpo e alma, conforme me confessou. Seus comentários, sobretudo sobre o passado da política local, se referiam a fatos da sua vida e luta nessa cidade.
Fiquei extremamente emocionado, indo às lágrimas, quando ela, falando sobre papai, comentou a atitude dele após ter notícias de que terminara a Segunda Guerra Mundial. Aos gritos, lá no final da Avenida Amaral, alegre, aos pulos, festivo, com a alma lavada, lembrou ela os gestos, as palavras, o contentamento dele celebrando, entusiasticamente, o final do conflito mundial. Palavras de meu pai que poderiam, se quisermos usar da imaginação, ter sido assim exclamadas com a voz vibrante própria de um orador talentoso, como era ele:
-- Amarantinos, companheiros, brasileiros, acabou a Segunda Guerra! Acabou! Acabou! Viva o Brasil! Viva Amarante! A paz, enfim, está às nossas portas. Somos livres. Venceu a democracia. Abaixo a hediondez das guerras. Para nunca mais! Meu pai tinha, na época, apenas 40 anos. Três anos depois, sai de Amarante e se fixa em Teresina até a sua volta definitiva para Amarante, em 1990, mas já na transcendência e superação da matéria.
Portanto, seleta platéia ali esteve nos prestigiando. Que mais poderia desejar quem já de si encontrara, em Amarante, as dádivas da felicidade?
Missão cumprida do ponto de vista cultural. Faltavam mais duas etapas: visitar a sepultura de papai O calor era sufocante dentro do cemitério com muito mato aqui e ali. Reparei que o Virgílio Queiroz, não se aguentando com a temperatura elevada, por instantes tirou a camisa. Saí, porém, desanimado porque não consegui identificar a sepultura de papai, ainda que o Virgílio e o Dílson Lages me tivessem auxiliado. Apenas deixei, no meu interior, meus pensamentos voltados para ele e minhas bênçãos à sua alma querida.
De volta, novamente na Avenida Amaral, me dirijo para uma casa de saudades, na qual residiram o tio Enoch, que foi prefeito de Amarante, e sua esposa, uma santa criatura, a tia Maricô, Nessa mesma casa ainda residem as suas filhas, as minhas duas primas, graças a Deus, ainda vivas: a Dioneia e a Valdineia. Uma terceira irmã delas, a Maria Nilza, o Valdo e o Netinho, seus irmãos, já nos deixaram. Maria Nilza, professora, foi uma das mais lindas mulheres que conheci. Tinha belos olhos azuis. Lembrava-me a atriz inglesa Ellisabeth Taylor.Valdineia e Dioneia – filhas ilustres de Amarante -, são parte de minha infância e adolescência quando ainda residia eu em Teresina. Valdineia é professora aposentada. Dioneia, bem idosa, ao me ver, me sorriu com aquele doce sorriso aberto de uma amarantina autêntica. Elas simbolizam o que antigamente chamávamos “reservas morais” de um ser humano. Muita coisa ainda poderia falar sobre as duas, sobretudo sobre o período em que Valdineia morou com a minha família, em Teresina, lá na Rua 24 de Janeiro, centro. Na minha despedida, a minha prima Valdineia me entregou um pacote bem arrumado. Era um presente para minha mulher. Só no Rio de Janeiro descobri o seu conteúdo: um delicioso doce de goiaba.
Regressamos a Teresina. Já se fazia noitinha. Na estrada, retomamos o menu principal dentro do carro: falar sobre política, homens, livros, vida literária e até fofoca literária. Em suma, tudo o que cabe de bom e de ruim no coração e na razão dos homens.