ÁLVARO LINS E AFRÂNIO COUTINHO: DOIS CRÍTICOS E UMA POLÊMICA
Por Cunha e Silva Filho Em: 24/10/2022, às 12H16
NOTA PRÉVIA: O TEXTO ABAIXO FAZ PARTE DO TERCEIRO CAPÍTULO, PARTE 1, DO MEU TRABALHO DE PÓS-DOUTORADO, DE TÍTULO AFRÂNIO COUTINHO E ÁLVARO LINS: DOIS CRÍTICOS E UMA POLÊMICA. PROJETO DE LITERATURA COMPARADA APROVADO PELO PROPGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA LITERATURA DA FACULDADE DE LETRAS DA UFRJ (2014). PROFESSOR COORDANADOR: DOUTOR TITULAR DE LITERATURA COMPARADA EDUARDO DE FARIA COUTINHO
3.1- O impressionismo de Álvaro Lins: da intensa militância crítica a um corpus teórico
Álvaro Lins, na mocidade ou na maturidade, não escreveu trabalho algum didático-teórico, seja para o ensino médio, onde atuou como docente, seja para o ensino superior, onde da mesma forma teve experiência docente, quer dizer, obra que tivesse conteúdo teórico específico e unitário nos moldes que conheceríamos mais tarde em nosso produção editorial de autores brasileiros Só para citar um exemplo: a Teoria da literária (1961, 4 ª edição revista) de Antônio Soares Amora, que teve muitas edições e foi bem apreciada pelos estudantes de letras durante bom tempo, ao lado da Teoria literária (1974) de Hênio Tavares, com orelhas de Tristão de Ataíde, esta mais acessível ao curso secundário ou início dos cursos de letras.
Igualmente, se poderia mencionar o pequeno volume Notas de teoria literária (1976) por sinal já citado neste estudo, de Afrânio Coutinho, de utilidade para os alunos iniciantes dos curso de letras. É um compêndio didático, em linguagem acessível que fornece os elementos básicos, bibliografia atualizada para a época, aliás uma constante das atenções de Afrânio Coutinho, já com objetivos pedagógico- metodológicos, ênfase nos elementos estruturais da obra literária, assentados, sobretudo, teoricamente falando, na lição da Poética de Aristóteles.
Para simplificarmos, podemos falar que, aproximadamente, a partir dos anos 1960 em diante, surgiriam outras obras importantes e mais atualizadas, indicativas da nova e indispensável disciplina de teoria literária, inclusive para o ensino médio, destinadas aos estudos superiores de autores brasileiros e estrangeiros. Estão nesse caso, por exemplo, a Teoria literária (1979, edição)organizada por Eduardo Portella, a Teoria literária (1962,) de Renée Wellek e Austin Warren, de grande repercussão, em tradução portuguesa, e o clássico e fundamental livro Teoria da literatura (1981, 6ª edição, revista) de Vítor Manuel de Aguiar e Silva, autor português. Outras obras, mais estrangeiras do que nacionais, dessa disciplina foram também aparecendo no mercado editorial brasileiro.(*Nota de pé
de página mencionando algumas delas)
A produção crítico-ensaísta de Lins primeiro saía em jornais, depois, reunida em livros, é muito extensa e diversificada. Para não cairmos em total deslize de informação bibliográfica do autor sobre questões puramente teóricas, mas em moldes diferentes da congêneres acima-mencionadas, poderemos citar o volume Teoria literária, que lançou pelas Edições de Ouro em 1970, no mesmo ano em que veio a falecer.
Porém, aquele volume não é um estudo sistemático, no qual o fenômeno literário seja desenvolvido em suas grandes unidades teóricas abrangendo, quer em nível de ensino médio, quer em nível de ensino superior de letras, os conceitos de literatura, de artes em geral, de métrica, as definições, os conceitos, as correntes críticas, o estudo dos gêneros literários, os estilos literários entre outros aspectos fundamentais e dentro das possibilidades teóricas da época produtiva do crítico.
A teoria literária da Edições de Ouro de Lins, na realidade, é um conjunto de artigos ou pequenos ensaios selecionados da Quinta Parte da edição da obra O relógio e o quadrante A obra abrange os seguintes temas gerais: poesia, romance, teatro, biografia e crítica.
O conjunto, contudo, propicia um amplo sentido do que o produtivo crítico pensava da obra literária, da visão moderna e aberta que revelava ter do gênero poético, do alcance lúcido e vertical do que seria a estrutura de um romance e de características específicas que deste gênero ficcional seriam levadas em conta em questões vitais de Literatura envolvendo teoria e crítica literária em seu triplo aspecto: interpretação, análise e julgamento. .
Ora, basta um simples visada dessas questões para se poder afirmar que o rótulo de mero crítico impressionista, muitas vezes atribuído a Lins peca por uma flagrante petição de princípio, pois confiná-lo nos estreitos limites do impressionismo, do subjetivismo crítico é desconhecer-lhe a obra na sua totalidade e na profundidade.
Este rótulo talvez provenha, e mesmo assim equivocadamente, mais da forma como se desenvolveu a sua crítica, i.e., a de um intelectual da crítica militante que, por ser exercida principalmente no rodapé do jornal, sofre da parte dos críticos de outras correntes do pensamento uma espécie de preconceito infundado e mal assimilado por não saber ou não querer propositalmente reconhecer o alto nível de qualidade de um crítico como Lins.
Só não vê quem não quer o alcance e a extensão do pensamento crítico de Lins desde os seus primeiros trabalhos na imprensa e no livro; ao falarmos em livro, estamos pensando no ensaio de Lins, História literária de Eça de Queiroz (1939), até hoje, uma obra de inegável mérito interpretativo e também no seu ensaio, originalmente, uma tese de concurso, A técnica da ficção de Marcel Proust.
Nos anos de 1940 a 1960, sem querer pretender imprimir rigores cronológicos a datas, a crítica literária, sobretudo na sua forma de rodapé, no país alcançou uma fase de apogeu,
De apogeu e ao mesmo tempo de turbulência, porquanto naquele recorte de tempo travava-se uma luta incessante de duas principais correntes críticas, uma representando a estabilidade de seu domínio de influência, outra que pretendia desbancar a primeira. As duas, respectivamente, eram o impressionismo e o new criticism.
Aliás, observa Adélia Bezerra, que escreveu uma criteriosa dissertação de mestrado orientada por Antonio Candido, A obra crítica de Álvaro Lins e sua função histórica crítica de Álvaro Lins e sua função histórica ( BOLLE, p.47) que os anos 40 do século passado foram pródigos em polêmicas no país, afirmação confirmada por uma citação da ensaísta extraída da revista Careta (1944).
O texto daquela revista, com alguma chama de entusiasmo e incontida vontade de divulgação, comenta serem aqueles anos de verdadeira volta de pugilato polêmico, ou, como o texto diz: “Voltamos aos bons velhos tempos da polêmica literária”, onde não faltavam descomposturas, “atritos”, discussões, debates em todos os jornais, acompanhados de discussões quotidianas às portas de livrarias, bares e cafés, r corredores de repartições públicas. (BOLLE, p.47).
Os bate-papos se prolongavam e se tornavam uma epidemia atingindo tão alta temperatura belicosa que levou Miguel Melo a chamar aqueles anos de 1940 de “literatura de porrete”. Ainda segundo a revista Careta, naquele período estava-se assistindo “... à época mais combativa e violenta de nossa vida literária”.(ibidem) O texto chega mesmo a fazer referência a 22 polêmicas registradas entre intelectuais brasileiros, das quais cinco tiveram como um dos adversários o crítico Álvaro Lins, assim discriminadas pela revista Careta : “1ª polêmica Álvaro Lins – Afonso Arinos de Melo Franco; 2ª discussão Álvaro Lins – Viana Moog; 3ª briga Álvaro Lins – Afrânio Coutinho; 4º debate Genolino Amado- Álvaro Lins; etc. (...) 19ª discussão: Álvaro Lins – Mennoti del Picchia...”(ibidem). O curioso neste registro é que a revista faz distinção semântica do nível de cada refrega: “polêmica”, “debate,” “discussão”, “briga.”
Adélia Bolle, no aludido ensaio, anota que um jornalista, de nome Silvino Lopes, declarara em artigo que se estava constituindo naquela época, anos 1940, uma espécie de ‘sociedade de inimigos de Álvaro Lins’( BOLLE, p. 46)
A hipervalorização do que representa o presente, a atualidade , a contemporaneidade, termos por vezes ambíguos, fugidios, não facilmente demarcados, nas diversas manifestações da inteligência, talvez em parte seja responsável por tantos preconceitos ou indiferenças por aspectos dos estudos literários de recortes temporais pretéritos. No domínio da crítica literária, isso não é diferente. Isso não de hoje, tem sido sempre assim desde tempos bem recuados como são exemplos visíveis e incontestes as seguidas reações a cada novo período de forma e expressão dos movimentos literários antes do século XIX e após o século XIX.
Não queremos expressar com isso que somos a favor do imobilismo ou conservadorismo, ou historicismo há muito superado das formas literárias, do pensamento crítico, das novas correntes que surgiram no século XX e continuam sendo utilizadas na diversidade de seus métodos e na prática de novas abordagens. O que, contudo, defendo é a possibilidade de repensar aspectos e ângulos da tradição literária que ainda têm espaço e sentido a serem retomados com um olhar do presente e sem apriorismos a tudo o que não representa o primado do presente, como se este fosse uma fase histórica da cultura que pode descartar o passado, muitas vezes sem ainda o conhecer suficientemente bem, o que configuraria um tremendo julgamento sem lastro nem solidez, onde o pensamento crítico atual atira uma pedra na escuridão do tempo..
Alguns historiadores que reservaram um espaço da história da literatura brasileira à crítica literária, entre os mais velhos e as gerações mais novas, costumam classificar Álvaro Lins, como impressionista; Alfredo Bosi, não o define como tal, mas apenas a ele se refere como um crítico com uma visão literária muito próxima dos franceses no que concerne às análises psicológicas e ao timbre social de seu discurso crítico.
A historiadora italiana especializada em literatura brasileira e autora de uma volumosa História da literatura brasileira, Luciana Stegno-Picchio, apenas se refere a Lins como uma “ ‘uma espécie de político no mundo das letras,’ tendo atuado como “batalhador” na crítica militante e acadêmica.( STEGNO PICCHIO,p..696) o que é uma lamentável apreciação simplista no tocante ao papel de realce e liderança desempenhado pelo crítico na segunda fase do Modernismo brasileiro, tomando-se aqui como base a divisão de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde).
O crítico Wilson Martins, no seu esdrúxulo e discutível “Quadro Cronológico da Crítica”, classifica Lins como impressionista (MARTINS,Wilson). O crítico Assis Brasil, define a crítica de Lins como “... um tjpo de crítica reflexiva e humanista”.(BRASIL, Assis, Dicionário Prático de Literatura Brasileira, p. 26). Massaud Moisés, sem defini-lo em específica corrente do pensamento crítico, ressalta que ele “... enfileira-se numa linhagem que, passando por Tristão de Ataíde, remonta a José Veríssimo, Araripe Júnior e Sílvio Romero”.(PAULO PAES, José e MOISÉS, Massaud., Pequeno dicionário de literatura brasileira., p. 228)
O próprio Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) num capítulo do Neomodernismo, seção “Crítica,”(p.145-152) de sua pequena e ainda proveitosa obra, Quadro sintético da literatura brasileira, agrupa Lins entre os críticos impressionistas, mas de natureza humanista, onde o interesse da interpretação literária se concentra no autor e não na obra.
Para Alceu Amoroso Lima, o impressionismo constitui o primeiro aspecto do humanismo. O que ele denomina “crítica neomodernista” é aquela na qual o interesse crítico se desloca para a obra, ou conforme ele próprio diz, “desdenha o autor.”( AMOROSO LIMA, p.145). É a essa transição ou deslocamento do sujeito para o objeto que Tristão de Athayde define como “A Passagem do Humanismo para o Formalismo.” (AMOROSO LIMA, Alceu. idem, p.)
Alceu Amoroso Lima se inclui no segundo aspecto do humanismo, que é o expressionismo. Para o crítico o expressionismo reagiu contra a subjetividade do impressionismo humanista, deslocando a atenção do crítico para a obra e o autor. i.e., não mais dirigindo seu foco principal para ‘as impressões subjetivas’, aquele ‘passeio’ tão ao gosto de Anatole France. Ainda ensina o grande crítico que o expressionismo veio “corrigir o “diletantismo impressionista” e sublinha: sua meta seria a ‘crítica construtiva’, vista num plano da “criação”, enfatizando o componente ontológico.
A concepção da crítica neomodernista, nova corrente do pensamento como reação ao impressionismo teve por base o chamado ‘formalismo crítico’ de procedência norte-americana. Para Alceu Amoroso Lima, essa alusão ao formalismo crítico, por sua vez, está em sintonia com o new criticism de procedência anglo-americana, e não apenas norte-americana como incompletamente refere o pensador católico. De resto, acentua ter esse movimento crítico sido trazido pelo crítico norte-americano Spingarn inspirado, por sua vez, no pensamento de Benedetto Croce, ou seja, nas ideias deste de “intuição ou poesia”, com que contribuiria para os estudos futuros de teoria literária, eliminando a compartimentação, velho resquício da retórica e substituindo-a pela “unificação dos elementos. (AMOROSO LIMA, idem, p.148) Este tópico do new criticism deixaremos para retomar ao focalizarmos o pensamento crítico de Afrânio Coutinho no capítulo 4.
Em páginas anteriores deste estudo, já pudemos tecer alguns comentários gerais acerca da crítica de Álvaro Lins. Agora, seria conveniente aprofundar esta discussão em torno do que seria teoricamente a concepção, as linhas-mestras, utilizadas por ele na “judicatura” crítica. Objetivamente considerando a natureza da sua crítica, não podemos deixar de ressaltar dois meios diferentes em que a exerceu: no rodapé dos jornais, o grosso de sua produção crítico-ensaística, e em estudos para publicações em livros. Nestes últimos, se incluem a já mencionada História literária de Eça de Queiroz, a Técnica do romance em Marcel Proust e outros trabalhos publicados sobre temas políticos, biográficos, históricos, estético-filosóficos e memórias diplomáticas.
O pesquisador, no que tange à totalidade da obras de Lins - como já sublinhamos anteriormente e o mesmo fez a ensaísta Adélia Bezerra Menezes Bolle, se depara com alguma complicação, porque Lins exibe uma relação bem extensa de livros publicados em sua bibliografia. Os sete volumes de livros sob o título Jornal de crítica, da Edições O Cruzeiro foram publicados respectivamente, em 1941, 1943, 1944, 1945, 1947, 1951 e 1963.
Entretanto, a mesma casa publicadora, Edições O Cruzeiro, relaciona a 8ª série do Jornal de crítica. Adélia Bolle, entretanto, declara que essa obra e algumas outras listadas na bibliografia de Lins não passaram de intenção do autor.” Nos pequenos volumes preparados para as Edições de Ouro, de resto já aludidos anteriormente neste capítulo, o próprio Lins faz questão de remeter o leitor para elas, como ocorre com o suposto editado Girassol em vermelho e azul (Polêmica literária e política – Documentário Pessoal) que seria lançado pela Civilização Brasileira em 1963).
Concretamente, sabemos que, pelo menos, as seis primeiras séries foram reeditadas pela Civilização Brasileira, Rio de Janeiro em três volumes, sob títulos diferentes e, conforme lembra Massaud Moisés,(MOISÉS,M.. e PAULO PAES, J..Dicionário, p. ), cada volume manteria alguma unidade de temas assim ordenados : 1) A glória de César e o punhal de Brutus (1962) – Ideias políticas, Situações Históricas, Questões do Nosso Tempo Ensaios e estudos (1939-1959)); 2) Os mortos de sobrecasaca (1963 - Obras, Autores, Problemas de Literatura Brasileira - (1940-1960); 3) O relógio e o quadrante, 1ª edição – 5º milheiro, (1964) - Obras, Autores e Problemas de Literatura Estrangeira – Ensaios e Estudos – 1940-1960.
É desnecessário frisar que as citadas seis séries do Jornal de crítica foram resultantes de artigos e estudos publicados originalmente em jornais, principalmente, o Correio da Manhã do Rio de Janeiro. A sétima série do Jornal de crítica contudo, constituiu-se de ensaios e estudos destinados à forma de livro.
No campo estritamente literário, Lins ainda publicou Roteiro literário de Portugal e do Brasil (1956) em co-autoria com Aurélio Buarque de Holanda e Literatura e vida literária (1963), com um subtítulo na capa Diário e Confissões. No entanto, na segunda página do livro há um outro subtítulo: “Notas de um Diário de Crítica. Primeiro volume, Segunda edição; Segundo Volume, Primeira edição. Estes dois últimos livros foram editados pela Civilização Brasileira.
Duas perguntas, a nosso ver, se nos impõem, agora, na práxis crítica de Lins: legou-nos ele um corpus teórico? Ou teve ele também, conforme descrevem J.C Carloni e Jean.C. Fillous, (Carloni, J.C., La critique littéraire, p. 28 o mesmo destino de Sainte-Beuve que, na produção crítica em jornal, apenas se dedicou a estudar autores? Eis a citação daqueles ensaístas franceses a propósito de Sainte-Beuve:
“(...) sem interesses por criadores de sistemas e teóricos.Tinha preferência pelo jornalista, a quem comparou a um apóstolo, alguém que constrói seu trabalho remexendo em tudo, e não para em parte alguma...” (...) é preciso tomar da escritura de cada autor a tinta com a qual desejamos pintá-lo.”( (ibidem)
O que se poderia designar como um corpus teórico da crítica impressionista de Lins não aparece como um método de estudar, analisar e julgar autores organizados numa obra, mas as suas ideias teóricas sobre questões dos gêneros literários e questões teóricas de literatura se alastram, por assim dizer, pelos seus textos, nos quais percebemos uma argumentação coerente, lúcida, tratando de temas complexos, sem hermetismos, reveladora de amplos conhecimentos de leituras teóricas no campo da teoria literária, da literatura comparada, da crítica e da história literária, de autores estrangeiros na ficção, poesia, teatro e de outras áreas humanísticas, além do conhecimento de línguas lidas no original. De um verdadeiro scholar, muito longe daquele tipo de crítica de rodapé ou bookreviewers, tão depreciados por Afrânio Coutinho.
Quanto à segunda pergunta feita atrás sobre a produção no rodapé, não é difícil de constatar, pois a melhor resposta seria a volumosa série do Jornal de crítica, com seus sete volumes, o que, de alguma maneira, nos faz recordar a copiosidade de artigos publicados na imprensa por José Veríssimo, com dificuldades até hoje de se poder reunir em sua totalidade, conforme pondera Fausto Cunha ao dizer que a quantidade de artigos de Veríssimo “... ainda não coligidos em livro ultrapasse duas centenas.”(CUNHA, Fausto. A leitura aberta, p.35)
A atividade crítica de Lins lhe era algo intrínseco à personalidade literária. Teria, quem sabe, aquele mesma garra da “paixão literária” (J.C.Carloni) de que falava Sainte-Beuve. E por “paixão, aqui se subentende uma vocação inelutável, com propósito de dar continuidade a uma meta intelectual que, no caso de Lins, estaria sempre alicerçada na alta qualidades de sua formação intelectual, na seriedade de seu papel e na ética de interpretação e julgamento de obras literária.
Se em alguns períodos interrompera a atuação crítica, era por motivos justificáveis de intelectual e homem público. Em todo o percurso de sua vida, assim que uma missão fora de suas duas órbitas principais de atividade, a crítica literária e a cátedra, fosse concluída, Lins retomava a função que o absorveu por toda a existência: a literatura e, como epicentro de sua atenção, a crítica literária.
Lins, ao longo de sua atividade crítica, jamais se afastou do tipo da abordagem impressionista, mas entendendo esta expressão no sentido de um impressionismo superior, aberto e progressista, do qual tinha plena convicção, até mesmo quando, mais tarde, já nos anos 1950 e 1960, sua visão crítica sofre alterações impensáveis, segundo veremos no capítulo 5.
Seu “ideário”de interpretar e julgar obras na condição declarada de impressionista não o constrangia absolutamente, Para essa tarefa, se preparou desde muito cedo, ainda no tempo de sua adolescência em Caruaru, Pernambuco e, depois, em Recife, quando estudante de direito e quando praticava a atividade jornalística, o magistério secundário e a crítica literária.
Há nele algo de precocidade de um predestinado. Se é verdade que Adélia Bolle afirmava ter havido, no apogeu de seu papel de crítico já famoso e trabalhando para o Correio da Manhã do Rio de Janeiro, um grupo de jovens intelectuais que lhe estavam começando a contestar-lhe a liderança e visão críticas, é também verdade que a crítica de Lins continuava se distinguindo pela sedução do estilo, da sua argumentação límpida, clara, e ao mesmo tempo profunda.
O estilo, conforme tantas vezes relatamos anteriormente neste estudo, lhe foi sempre um componente caro e decisivo na vida de um escritor e, na visão dele, sobretudo quando se referia a uma das condições essenciais à tarefa do crítico.
Relendo parte considerável de sua crítica, ainda podemos sentir o prazer do texto de que fala Barthes apesar da fase de mais intensa racionalidade a que chegou a crítica contemporânea.
Desta maneira, os tempos atuais alteraram a antiga feição de construção sintática com complexos jargões terminológicos surgidos com o avanço dos estudos literários. Todavia, a leitura de um texto de Lins, pelo menos para quem escreve este estudo, ainda é bastante palatável e surpreende o leitor especializado ou não.O texto crítico moderno assumiu um caráter de iniciados, uma linguagem de forte inflexão objetiva, impassível e cientificista dela escapando poucos críticos da atualidade.
Provavelmente, pelo estilo e pela sua exegese, sua habilidade de captar as singularidades do livros que lhe passaram pelo crivo crítico no que concerne à adequação do tema, da linguagem e do valor estético de harmonia com visão da realidade transfigurada e convincente a leitores e mesmo à comunidade da crítica literária, aí incluindo os autores julgados é que Lins tenha conquistado o renome que teve, sobretudo, nos anos 1940 e 1950, pelo menos.
A sua cultura geral lhe permite dialogar sobretudo com a cultura francesa, seus autores mais prestigiados no seu tempo. Ao lado desta formação francesa, ou melhor, de leituras francesas. Lins, da mesma sorte, manifestava amiúde um grande interesse pela cultura e literatura portuguesa.
Da primeira faria surgir o seu estudo sobre Proust; da segunda seus estudos camonianos, sobre Antero de Quental. Ainda se voltavam suas atenções de crítico para os grandes teóricos europeus, prosadores russos, ingleses,espanhóis, alemães, italianos, seu interesse pelo teatro shakespeariano, assim como suas leituras dos mais significativos pensadores e filósofos também de sua época, sem falarmos nos clássicos gregos e latinos.
Aqui - é forçoso aduzir -, são levadas em conta sua capacidade de compreensão e a sua argúcia de crítico corajoso, combativo, controvertido, contraditório, por vezes incompreendido e até olvidado pelas novas gerações. Crítico fiel às suas especificidades de harmonizar o seu impressionismo humanista e o rigor estético no julgamento de obras. Da mesma maneira, para aqui, em linhas gerais, convergem componentes essenciais de sua judicatura crítica, como autor, obra, estilo, personalidade literária, personalidade do crítico, personalidade do autor,
Existe um dado relevante na crítica de Lins que, conquanto até simplista, responde por sua posição em face da obra literária: a sua formação intelectual, na sua época, o conduziria, pela preferência que tinha pela cultura francesa, a leituras dos mais significativos críticos franceses: um Sainte-Beuve, Jules Lemaître, um Brunetiére, um Anatole France, um André Gide, um Paul Souday, um Amiel, e, no Brasil, partilharia ideias sobre literatura principalmente com um dos críticos que mais admirou - José Veríssimo - , assim como filiava-se, em alguns aspectos, a certas ideias gerais, não necessariamente metodológicas e de concepções de ordem teórica, dos críticos Sílvio Romero e Araripe Júnior.
O que logo salta à vista de quem examina e investiga o pensamento crítico de Lins são aqueles termos constantes nas suas formulações de juízos críticos que, na realidade, se constituem de vários aspectos fragmentados e por ele absorvidos da leituras sobretudo de críticos franceses, alguns dos quais já mencionamos linhas atrás inclusive de brasileiros.
Obviamente, todo o desenvolvimento da história da crítica francesa não lhe foi indiferente nem deixou de lhe trazer subsídios valiosos à formação intelectual ainda que suas ideias não fossem por ele aceitas. E isso vale tanto em relação ao passado como em relação ao presente.
Lins, como qualquer mortal, teve lá suas contradições e uma delas, por exemplo, está registrada no livro Literatura e vida literária, Fragmento XXVII, (op.cit, p. 36). O escritor e crítico Rosário Fusco, uma vez, declarou que não existia “crítica pura”, alegando que a crítica pressuporia “julgamento” e com este teria que haver “compromisso”.Para Fusco, aquele que emite juízo crítico, tem que “afirmar” ou “negar” e, por conseguinte, “justificar.” E acrescenta que críticos impressionistas, como Araripe Júnior e Álvaro Lins são daqueles que “justificam o julgamento”.
Reagindo às palavras de Fusco, Lins afirmou que não aceitava a classificação de “impressionista,” nem a recusaria, enfatizando que o “propósito” de sua crítica é exercê-la mas sem qualquer “sistema ou escola.”(ibidem).
No mesmo fragmento ou nota do Diário de Crítica Lins aproveita a ocasião para, numa síntese esclarecedora, definir o que seja impressionismo:
Qualquer leitor logo compreenderá que a colocação se deve processar em termos exatamente opostos (e, isto, no caso de se aproveitarem estes mesmos termos, que são o seu tanto ou quanto incaracterísticos): afirmar ou negar, justificando-se (ação reflexiva, interior, e pessoal) – eis a crítica impressionista; afirmar ou negar, justificando o julgamento (ação positiva, objetiva e impessoal) – eis a crítica universitária e científica.(op. cit., p. 37)
Todos que temos algum conhecimento do exercício crítico de Lins nos recordamos daquele tríplice aspecto de sua abordagem crítica: interpretação, sugestão, julgamento.(p.)
No que tange aos princípios de visão crítica e de “técnica” de análise, interpretação e julgamento do pensamento teórico e da práxis crítica de Lins, julgamos produtivas e complementares na orientação geral deste capítulo, duas obras: o ensaio de Antônio Brasil, O pensamento crítico de Álvaro Lins, trabalho, de resto, premiado por mais de uma instituição abalizada, e o ensaio A obra crítica de Álvaro Lins e sua função histórica, de Adélia Bezerra de Meneses Bolle, tantas vezes já citado neste trabalho.
O primeiro, se notabiliza pela amplo painel com o qual nos descortina a figura intelectual de Lins, escrito em linguagem elegante, equilibrada, com análises que só iluminam o autor de Os mortos de sobrecasaca.
Brasil, assente em criteriosa pesquisa e bibliografia bem selecionada, estuda Lins nos seguintes aspectos: o crítico, o biógrafo, o político, o pensador e, no último capítulo, que tem título menos acadêmico, “...E o nordestino.” Sendo um ensaio de admiração e reconhecimento do valor do escritor pesquisado, é, seguramente uma dos poucas e melhores análises eruditas mas não acadêmicas que já se publicou sobre Álvaro Lins.
Além disso, não possui o defeito cansativo do apologético e provinciano, ou de excessiva parcialidade. O pensamento de Brasil se mostra firme, atualizado e desejoso de atingir todas as facetas abordadas a fim de proporcionar uma visão ampla, original e reflexiva sobre o autor estudado.
No capítulo “O Crítico,” podemos relacionar, numa amostragem bem esquematizada, com ligeira alteração da construção dos enunciados de Brasil, alguns princípios da crítica de Lins comentados pelo ensaísta com base na acurada leitura da obra crítica de Lins
1) Para o intelectual e humanista Lins, a crítica literária exercida durante a sua vida é uma atividade que não pode estar separada da dignidade humana;
2) A crítica de Lins exige capacidade de julgar e interpretar;
3) Considera a interpretação como fonte criadora;
4) Em todas as atividade literárias existe a força-poética;
5) A intuição é entendida como uma faculdade da crítica necessária à descoberta de almas e ideias;
6) Atribui grande relevo `ao pensamento filosófico de Bergson:
7) A obra literária deve ser encarada em seus aspectos psicológicos, sociais e puramente estéticos;
8) A crítica : um instrumento incômodo, por isso é combatida;
9) Lins reconhece a ciência na literatura não como fim mas como meio;
10) A crítica “não é só impressionismo”. Não é só apreciação ou julgamento no plano subjetivo”. Não é apenas arte;
11) Não pode a crítica literária limitar-se a “um seco objetivismo”, nem aprisionar-se a leis e conceitos de outras ciências;
12) “A crítica se constitui de uma fusão mais complexa de elementos objetivos e subjetivos”;
13) Lins reconhece uma ciência da literatura, com “conhecimentos especializados” e “metodologia própria”;
14) O mero objetivismo só levaria à erudição;
15) O subjetivismo crítico só se encaminha ria a uma divagação?
16) Para Lins a erudição seria o ponto de partida para atingir o impressionismo;
17) O verdadeiro crítico há de ser um erudito e um impressionista;
18) A crítica é criadora e alia “erudição “ e “impressionismo.”
O ensaio de Bolle, embora mais reduzido em páginas, aprofunda de forma acadêmica os temas de seu recorte temático na análise do pensamento crítico de Lins, investigando, com muita precisão, em capítulos imprescindíveis como “A Década de 40: Coordenadas, a sociedade, a literatura, a crítica, o jornalista, uma personalidade crítica, o crítico impressionista, o critico engajado, revolvendo em subtítulos do último capítulo a atividade política do escritor, tocando em questões também cruciais como a posição do crítico e seu compromisso estético, o seu posicionamento ideológico, a participação de Lins, quando jovem, nas fileiras do integralismo, a sua passagem à esquerda radical, o seu credo católico e a sua posição ideológica final que a autora chama de “socialista utópico.”
Como se vê, o estudo fornece múltiplas dimensões investigativas, combinando visão estética com visão sociológica apoiada numa fina bibliografia criteriosamente selecionada. Síntese valiosa, de leitura obrigatória a posteriores pesquisas, universitárias ou independentes, sobre a crítica de Lins.
A ensaísta, por sua vez, enfocando o impressionismo de Lins, contribui com reflexivas e percucientes discussões que só acrescem à compreensão não só descritiva das ideias do crítico no terreno literário e na crítica, mas também nos ângulos de cunho dialético em que busca situar as questões levantadas em torno da produção de Lins
Logo no início do capítulo “O crítico impressionista,” (BOLLE, p.61-81), a ensaísta sublinha que Lins não é um crítico cujas concepções de Literatura se poderiam tomar “em bloco” e, especialmente, de crítica literária. Para ela, e para o autor deste estudo, Lins sofreu mudanças expressivas ao longo de sua produção publicada, aqui tendo como referência capital, por sinal, lembrada pela ensaísta, os sete volumes do Jornal de crítica. Este aspecto também iremos comentar no capítulo 5,
Destacaríamos quatro critérios convocados por Bolle na tentativa de sintetizar a abordagem crítica de Lins: 1) “O critério da permanência da memória do crítico”: 2) “O critério da integridade”; 3) “O critério da forma funcional; 4)A adequação entre personalidade e autor”.” Vejamos como a ensaísta elucida cada um.
O primeiro critério está ligado ao dado da memória do crítico em relação às obras que leu. Se, por exemplo, Lins leu um determinado romance e dele, após algum tempo, não permaneceu nada significativo com respeito a um aspecto fundamental da obra, o julgamento estético da obra foi nulo. A ensaísta cita um livro de Clóvis Ramalhete, Ciranda,assim como a conclusão de Lins.(BOLLE, p. 70)
O segundo critério que, para a ensaísta seria a “pedra de toque” da crítica de Lins, se fundamenta na “unidade” que a obra de arte deve manter a fim de ser valorizada positivamente, Lembra Bolle que essa “unidade” já se encontra na velha Poética de Aristóteles. Recorda ainda que esse conceito de unidade, já se encontra em Poe, mas vinculado aos campos “psicológicos ou psicofisiológicos”.
Para o criador do conto policial, a unidade é condição vital’ de toda obra de arte. (BOLLE, p. 71). Acrescenta a estudiosa que o estruturalismo a retomou e a “rebatizou de “sistema” remetendo o leitor para Greimas.
Ademais, Bolle afirma que o conceito foi utilizado por Mukarowski que, por sua vez, lhe deu uma inflexão dialética. Bolle traz ainda à baila o sentido que Lins atribui à Totalidade como síntese bem elaborada e “perfeita da arte literária de cada gênero.Para a ensaísta, esse sentido de totalidade parece ter sido inspirado na leitura de Coleridge, um dos marcos da crítica inglesa de importância fundamental para a crítica literária e autor citado por Lins em sua produção, lembra a ensaísta.(ibidem)
Para ilustrar, Bolle menciona a mesma obra de Clóvis Ramalhete, Ciranda, à qual, para Lins, falta esse sentido de inteireza artística e que, por isso, provoca a sensação de “artificialismo, de ausência e coerência; não passam para ele de “crônicas esparsas.” Ao contrário, a leitura do romance de Otávio de Faria dá bem a medida do ‘princípio da unidade.’ Um pergunta final desse segundo critério é posta pela ensaísta: Como a resolver o problema do princípio da ‘integridade’ diante da ‘estética do fragmento’? Ela levanta a questão com o exemplo do escritor Ungaretti, poeta italiano, que reputa a “técnica do fragmento” “.. como a única que pode trazer soluções positivas à poesia atual”.(BOLLE, (ibidem)
O terceiro critério, o “critério de forma funcional” (expressão, de resto, empregada por Alfredo Bosi numa conferência com o título “A crítica na década de 40”.(BOLLE, p. 72). Tal critério visa a estabelecer íntima correlação entre a Forma e o Estilo. Estes dois termos aparecem com frequência nas análise de Lins e, segundo reconhece Bolle, são algo “confusos”, porquanto Lins , às vezes, os emprega como se fossem iguais. Considera a forma como “elemento de segurança e resistência de uma obra, e estilo como “condição de garantia de sobrevivência”.
Lins, em relação ao binômio fundo-forma, não os separa ( e nisso, como aduz Bolle, se afasta do conceito tradicional da “separação” forma e estilo), antes os vê como elementos “organicamente associados”. Entretanto, Lins, em estudos críticos, contraditoriamente, usa os termos conteúdo e forma, como componentes separados da estrutura da obra literária.A ausência por vezes da imprecisão terminológica coloca o crítico em posição ambivalente, levado mais para a subjetividade e a notação psicológica, das quais não conseguiu escapar por inteiro o seu impressionismo. Todavia, esta hesitação ou imprecisão terminológica, não foi ressaltada por Bolle.
Para nós, a forma em Lins se vincula a todos os componentes extrínsecos que compõem a substância da obra, ao passo que estilo se articula com a expressão da linguagem adequada à natureza do tema, do enredo, dos personagens; sem estilo não existe originalidade, traço peculiar que denuncia a individualidade de uma obra.
Se fôssemos fazer uma inferência, diríamos que, na visão de Lins, a forma veicula a “construção artística, o que torna a obra, em poesia ou ficção bela, estética, organizada , unitária, realidade “transfigurada” - termo usado por Lins. O estilo responderia pela capacidade de o escritor manipular a linguagem, e seus recursos, a sua habilidade de usar a língua como comunicação literária, não copiadora da realidade empírica, a “realidade ordinária”, como diria Lins.
Comentando sobre os conceitos de forma, técnica e estilo, podemos perceber, nas palavras do próprio Lins, aquela falta de exatidão terminológica, necessária na abordagem crítica:
Antes se deve notar que a diferença entre forma, técnica e estilo está mais em ‘nuances’ do que numa possível definição através de conceitos, sucedendo mesmo que todos nós empregamos indiferentemente essas três palavras com um sentido aproximativo.(LINS, , p.
Se Lins valoriza a unidade da obra, a sua integridade, a sua correspondência entre tema e linguagem, entre adequação de estilo com o tipo de realidade física e humana, é porque a obra ficcional, a poesia, o drama são produtos de realidades físico-humana-psicológicas e competência linguístico-literária. Porém, o estilo é um elemento vital e recorrente na análise de Lins. O exemplo citado por Bolle no qual Lins, numa apreciação, nos faz compreender que um Machado de Assis jamais escreveria Os sertões, e inversamente, um Euclides da Cunha nunca realizaria um romance de feição machadiana.
Portanto, daí se compreende que, para Lins, a questão da personalidade do autor está profundamente associada à realidade da criação literária.
Ou seja, e aqui caímos na conceituação algo incompleta de Tristão de Ataíde, situação a que já nos reportamos páginas atrás, segundo a qual o humanismo impressionista desloca o interesse da obra para o autor.Tal conceituação não satisfaz , porquanto a “técnica” interpretativa de Lins, também leva em grande conta o elemento do estilo, da forma, da linguagem literária ou seja, a valorização estética, o valor da obra em si, núcleo da crítica de Lins.
Pelo visto, a crítica impressionista de Lins é diferenciada de outros impressionistas, visto que, posto não tenha terminologia e método próprios, tem o compromisso do crítico com dados basilares da obra literária aqui reiterados: a forma, o estilo, a linguagem, a substância, a inteireza, a organicidade, a originalidade, o leitor, a erudição, o lastro do crítico com o conhecimento amplo e profundo das obras-primas da literatura universal e dos clássicos gregos e latinos. Portanto, pelas qualidades de conhecimento sólido em vários campos da cultura e, sobretudo, da arte literária, há impressionistas e impressionistas.
Por todas essa virtualidades, pela consistência de seus estudos, pela originalidade de seu pensamento de base culturalista, Lins, desde o início de sua atividade de crítico, acima de todos os interesses pessoais, políticos, profissionais, pôs a literatura como a sua preocupação mais elevada..
O quarto critério proposto por Bolle, “a adequação entre personalidade e assunto”, que a ensaísta vê como “aparentado” ao critério da “forma funcional”, imbrica a relação entre o autor e seu temperamento na realização de uma obra, relação que, por seu turno, implica a presença do elemento da “harmonia”, i.e., o autor não pode se subordinar a elementos impositivos externos.
Deve ser, o quanto possível, fiel à sua “personalidade”, termo caro e recorrente nos estudos de Lins.O escritor, ao criar sua obra deve ser autêntico a si próprio, condição que, para Bolle, faz parte do “pensamento existencialista dos anos 40” e, segundo ela, uma condição básica da “crítica tradicional”.(BOLLE, p. 79)
Ao comentar um estudo de Lins [ Nota de pé -de-página: Refere-se ao livro O empalhador de passarinho, que se encontra na Quinta Parte da obra Os mortos de sobrecasaca, num ensaio sob o título “A Liderança Literária, o Ensaio e a Crítica em Mário de Andrade, seção III, p. 408-414) ] sobre a obra de Mário de Andrade, a ensaísta ali depreende, na discussão da obra do autor de Paulicéia desvairada, os seguintes princípios flagrados na própria armadura crítica marioandradina: uma visão crítica que “simultaneamente operava com ‘a personalidade do artista, o conteúdo humano ou social da obra e a técnica formal de construção.’ Diante disso, Bolle, em tom de entusiasmo e de conclusão, encontra esta classificação para a crítica de Lins: “...uma crítica integrativa, estético-psico-culturalista – um ponto alto da crítica brasileira” (BOLLE, p. 80)
Lins é aquele crítico indispensável ao conhecimento dos autores do Modernismo dos anos 1940 até 1950, quando a pesquisa revela ser o período final de sua atividade de crítico,Seu desempenho crítico, naquele interregno quase se iguala ao de Tristão de Ataíde, sobre quem já tecemos alguns comentários - testemunho vivo de um crítico militante de altíssimo nível desde o início do Modernismo brasileiro em 1922, ano que, por sinal, estreou em livro com o ensaio sobre o contista Afonso Arinos, intitulado Pelo serão.
Tristão de Ataíde, com três obras de inestimável valor, resultado de sua militância em jornais e enfeixadas nos indispensáveis Estudos (5 séries ), de 1927 a 1935; Poesias brasileiras contemporâneas (1940), Primeiros estudos (1943), foi o maior crítico brasileiro do Modernismo, um mestre indiscutível da crítica expressionista e modelo de highbrow comprometido com a cultura e o destino da nação, de seus grandes problemas, e de suas tormentosas fases históricas, mesmo depois que deixou a crítica para o apostolado de pensador católico.
Naquelas duas décadas, acima-mencionadas, Lins acompanhou todo o desenvolvimento da literatura brasileira, e é nessa fase igualmente que se intensificam seus artigos e estudos de rodapés.
Vejamos em que medida sua abordagem crítica se torna efetiva nas análises de obras recém-lançadas ou antigas, e sua forma de se posicionar em relação ao Modernismo de 22, ao romance de 30, à geração de 45 e a obras que se distinguiriam como produções da melhor qualidade na história da literatura brasileira que, até hoje, são valorizadas e constituem cânones do nosso sistema literário.
Com todas as qualidades e defeitos da crítica de Lins, não podemos negar-lhe a capacidade de compreensão e a sua argúcia de crítico corajoso, combativo,controvertido, contraditório, por vezes incompreendido e até olvidado pelas novas gerações. Crítico fiel às suas especificidades de harmonizar o seu impressionismo humanista e o rigor estético no julgamento de obras. Da mesma maneira, para aqui, em linhas gerais, convergem componentes essenciais de sua judicatura crítica, como autor, obra, leitor, expectador(no caso do teatro) estilo, personalidade literária, personalidade do crítico, personalidade do autor, consoante vimos reiterando.
Neste final de capítulo, gostaríamos de fazer algumas considerações sobre pensamento crítico de Lins frente ao Modernismo brasileiro provocadas pela leitura da primeira parte de seu estudo sobre Mário de Andrade, com título geral “Liderança literária", o ensaio e a crítica de Mário de Andrade, seção I, sob o título “Vinte anos depois” (op. cit, p. 393-399). Em seguida, comentaremos sua perspectiva crítica dos autores do romance nordestino de 30 e de autores de outra regiões que, nos anos 1940 e 1950 produziram ficção, dramaturgia, biografia e ensaios. Por último, discutiremos, sempre alicerçado nos textos críticos de Lins, acerca da poesia do Modernismo.
A visão de Lins sobre o Modernismo na sua primeira fase, que tem como marco inicial a Semana de Arte Moderna realizada no Teatro Municipal de São Paulo, é receptiva, sobretudo porque o crítico, por mais de uma vez, confessava sua preferência por tudo que fosse novo, por tudo que representasse mudanças diante de formas artísticas superadas
.Por outro lado, Lins, contudo, faz duras ressalvas a aos primeiros anos dessa fase dita revolucionária do Modernismo, principalmente ao “... confundir ‘ruptura formal com mero descuido formal, com as’gaitices’ tão apontadas, depreciando as intensas experimentações formais da geração de 22”, conforme adverte Bolle. (BOLLE, op.cit., p.650)
Reconheceu alguns exageros nos primeiros anos de ruptura revolucionária nas letras brasileiras, mas nunca se opôs à nova vanguarda e recorria a um argumento historicista segundo o qual os chamados movimentos literários do passado, significaram, em sua eclosão, uma forma de modernismo sincrônico. Dá como exemplo, o capítulo denominado “Modernismo “ no livro de José Veríssimo História da literatura brasileira.(VERÍSSIMO, José., p.)
Lins, entretanto, via também na ruptura do Modernismo de 22 algumas mistificações, figuras de escritores que na verdade não tinham plena convicção do que seriam mudanças efetivas de temas, de formas e de estilos novos que viriam com a publicação de novos autores que aderiram ao movimento.
Enquanto movimento literário, o Modernismo, após a sua fase inicial de cunho iconoclasta, já estava superado e por isso, vinte anos depois, quer dizer, em 1942, teria razão de ser somente para a história literária. Com este raciocínio, Lins faz uma diferença entre Modernismo e “literatura moderna’, i.e., uma fase de amadurecimento com que poderíamos já contar com novos obras acrescentadas à história “atual” para aquele período:
O Modernismo foi um ‘movimento’, portanto algo de uma determinada época e com determinados objetivos. Trazia a sua duração limitada; e desapareceu depois que atingiu o seu ciclo de ação, o seu destino dentro da vida literária (LINS, A. Os mortos de sobrecasaca., p.393-394, op. cit.)
Para acentuar a fase revolucionária do Modernismo, Lins chega mesmo a divisar cronologicamente o seu princípio e fim do ciclo de ruptura com o passadismo literário: “o “triênio”1919-1922 representaria o seu início; o triênio 1927-1930 abrangeria o seu fim. Como se vê, ficam um tanto difusas estas duas divisões e, ademais, sem as suas necessárias explicitações. O ensaio em exame é de 1942, ou seja, doze anos de distância do que ele convencionou chamar de fim do Modernismo.
Estes doze anos são justamente o que Lins define como um período de “literatura moderna.” Restaria indagar que autores surgiram entre 1930 e 1942, ou um pouco mais adiante, e que pudessem ser classificadas modernos e representativas da produção ficcional e poética brasileira?
Ora, a única resposta a esta indagação, ainda que tautológica, seria a alusão do crítico aos autores do romance nordestino de 30 e outros escritores de outras regiões do país por ele analisados e passados em julgamento: Mário de Andrade, Marques Rebelo, Érico Veríssimo, Gilberto Amado, Otávio de Faria, José Geraldo Vieira, Antônio de Alcântara Machado, Dionélio Machado, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues (no teatro), Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Vinicius de Morais, Murilo Mendes, Bueno de Rivera, Américo Facó, Jorge de Lima, Raul Bopp, Ribeiro Couto, Augusto dos Anjos, João Cabral de Melo Neto, Murilo Rubião, Lúcio Cardoso, Dionélio Machado, Dalton Trevisan. Thiago de Melo,
Esses exemplos, em síntese, estariam na órbita do que Lins enquadraria como autores modernos, e não modernistas, na acepção que seria atribuída a alguns autores da primeira fase do Modernismo, entendendo os bons, ótimos ou os falhados em alguns gêneros literários, romance, conto, poesia , dramaturgia ensaio, uma vez que o rigor e a implacabilidade de Lins ao mesmo tempo se mostravam favoráveis a um escritor, por exemplo, no romance, na poesia, o mesmo autor poderia ser julgado um fracasso em outro genro literário.
E nesta atitude de julgamento houve vários exemplos de autores brasileiros hierarquizados nos seus valores e desvalores estéticos.Foi o caso de um Otávio de Faria que Lins exaltava como ficcionista, mas o julgava um fracasso no ensaio.
O estudo de Lins sobre Mário de Andrade já define um julgamento antecipado do apreço que tinha pela obra de Mário e, no ensaio selecionado o eixo de sua discussão se volta para a conferência de Mário proferida em 1942, no Itamarati, que fazia parte da comemoração dos vinte anos da Semana de Arte Moderna de 1922, tendo por título “O Movimento Modernista.”
Recheado de elogios à figura de Mário de Andrade, sobretudo pela liderança que o escritor paulista exerceu junto aos outros participantes do Modernismo, Lins define o autor de Paulicéia desvariada como um dos modernistas ‘autênticos,’ que aliavam compromisso de mudanças sérias sobre os rumos da literatura brasileira.
Mostra Lins a tônica que Mário desejava imprimir à sua palestra: dar um testemunho pessoal de sua participação no Modernismo, visando sobremaneira à atenção dos mais jovens. Contudo, ao falar da conferência, Lins não perde tempo para fazer suas ponderações sobre o que tinha sido válido no movimento e o que tinha sido fútil, indecoroso, “ridículo,” se visto por algumas figuras que de nada valeram para dar significação e valorização ao movimento de ruptura, inclusive com figuras que desmoralizaram o movimento a começar de produções tidas por Lins como subliteratura. No entanto, Lins não nomeia essas “figuras.”
Mário, segundo Lins, tinha por meta revelar a face independente do movimento e seu “caráter brasileiro”.(p.). Mas, na questão de brasilidade, Lins aponta uma discordância dele em relação à visão de Mário: o Modernismo sofreu o processo de antropofagia.
Neste sentido, não se desviou da órbita literária européia, tanto quanto outros movimentos literários ou estilos de época anteriores: o Romantismo, o Parnasianismo, o Simbolismo. O que Mário afirmava sobre a necessidade de pesquisar temas e assuntos, folclore, numa palavra, coisas do Brasil, o mesmo procedimento já se fazia na Europa no que concerne a “fórmulas e ideias” naquele tempo. Em apoio do que discordava, Lins cita uma declaração do velho Sílvio Romero, extraída do livro Evolução da literatura brasileira: “Tomar da nação os assuntos e da cultura universal o critério diretor das ideias.”( apud LINS,P.. 397)
Ainda dentro do conceito geral de Modernismo, ou como preferia Lins, tendo em vista os autores que surgiram nos anos 1940 e 1950, de autores modernos, sabemos o quanto seus estudos publicados, primeiro, nos rodapés de jornais, depois, no Jornal de crítica, tiveram imensa repercussão junto aos leitores e mesmo autores, descontados os autores por ele julgados desfavoravelmente, o que ocorreu muitas vezes.
Entretanto, os ficcionistas da geração do romance nordestino de 30, os poetas, os dramaturgos, os ensaístas, biógrafos, mencionados linhas acima, encontraram em Lins o tipo de crítico que lhes daria visibilidade e sucesso graça aos seus julgamento pautados em princípios de uma crítica rigorosa, aberta, por vezes dogmática, por vezes dando exemplo de como a crítica literária poderia elevar-se a um plano de exegese criativa, livre de amarras e limites impostos por ranços ainda deterministas, ou superadamente cientificistas.
Armado de seu supostamente impressionismo, Lins conseguia revelar nas obras dos romancistas de 30 e de outras regiões do país, as qualidades não só no tratamento de temas sociais da realidade brasileira, do documento social, ou da realidade psicológica, a saber, de um Lúcio Cardoso, mas sobretudo o nível de adequação entre forma e linguagem literária de um autor.
Por isso, ao estudar obras de um José Lins do Rego, de um Graciliano Ramos, de um Marques Rebelo, entre outros daquela geração, o crítico apontava tanto as habilidades do ficcionistas em todos os aspectos da estrutura dos romances, novelas ou contos, quanto as fraquezas de inconsistência de composição, de verossimilhança, de falta de convencimento ou de sopro de vida dos personagens.
Exemplo disso são as obras “falhadas” de Caetés, de Graciliano Ramos, dos romances de Gilberto amado, do teatro de Afonso Arinos de Melo e Franco, da superficialidade e falta de linguagem literária de José Mauro Vasconcelos), dos personagens sem alma, das ações artificiais, do uso inadequado da linguagem literária, da ausência de sentido de unidade que sua crítica tanto valorizava. Por não ver nenhuma qualidade estética em algumas obras, sua atuação crítica lhe granjeou inúmeros inimigos.
Porém, o crítico não se deixava abater, perseguia seus objetivos de orientar, mostrar caminhos, fazer sugestões e até sugerir que o candidato a autor fosse procurar outra atividade que não a carreira de escritor.
Se sua judicatura crítica era impiedosa, outras vezes se mostrou entusiasmado com a qualidade de alguns autores brasileiros no domínio da ficção: um José Lins do Rego ao escrever Fogo morto, um Graciliano Ramos ao criar obras-primas como São Bernardo, Vidas secas, um Marques Rebelo, com a sua notável A estrela sobe, um Guimarães Rosa, com Sagarana, Grande sertão :veredas, um Nelson Rodrigues, com Vestido de noiva, entre outros autores.
Uma característica da crítica de Lins se lhe tornou uma constante: ao analisar um grande autor, havia sempre que fazer reparos duros a certos defeitos do autor, sobretudo tendo em vista elementos imprescindíveis da obra literária: a forma, o estilo, a linguagem literária, a predominância do estético sobre todos os outros constituintes de elaboração e técnica ficcionais. Poucas obras escaparam a esta exigência, quer fosse da literatura brasileira, quer fosse da estrangeira. Não havia na sua crítica espaço para a leniência ou concessão em se tratando da qualidade estética da obra.
Outro traço positivo de Lins, na análise e julgamento críticos do gênero poético era a sua plena confiança em novas possibilidades do fazer poético na literatura brasileira a partir do Modernismo. Contraditoriamente, nele havia uma espécie de má vontade com os manifestos, os programas, enfim, o ideário embutido naquele movimento literário.
Não demonstra boa vontade com essa fase destruidora de velhas formas e estilos do passado nos seus aspectos exteriores, não literários. Isso nos parece uma contradição inexplicável, um pé atrás contra alguns pseudomodernistas de primeira hora.Tinha várias diferenças com Oswald de Andrade, não mostrava simpatia por um determinado comportamento e estado social e elitizante em que o lado festivo da Semana de Arte Moderna de 1922 transcorreu. Ora, este espírito de celebração e não de propósitos de alterações substanciais e originais da arte poética brasileira, é alvo da ironia de Lins:
Ah, eu bem imaginava a existência de certos vícios de origem no movimento modernista! Pois esta literatura oficial de salões – imitação do academicismo dos franceses – é uma coisa que sufoca os espíritos. Compreendo a literatura como uma criação individual, como uma força posterior de movimentos nas ruas, mas não em grupos de salões burgueses... E parodiando o verso do Sr. Carlos Drummond de Andrade porém, com outro sentido, poderíamos exclamar: “Havia burgueses, havia salões naquele tempo” (LINS, A. (Idem , p. 398)
À altura da “geração 45, rótulo, aliás, proposto em 1948, por Domingos Carvalho da Silva, dos poetas da segunda fase do Modernismo, lembra Massaud Moisés que Álvaro Lins foi um dos mais “ representativos” críticos daquela fase de “..mutação do clima poético”.(MASSUAD, ,Moisés, p. 378, História da literatura brasileira –Modernismo). Dois outros a ele “...se apressaram a fazer coro à pregação revolucionária”. (Idem, , ibidem, p. 379).
Sabe-se que a geração de 45, posto que fosse um movimento de ruptura ao radicalismo de 1922, e refletisse as consequências sociais, políticas e culturais do pós-Segunda Guerra, não teve um caráter estético de mudanças que produzissem uma clivagem com as correntes estéticas anteriores ao Modernismo.
Mudanças houve nos temas e na linguagem, no estilo e na forma de composição que, agora, tinham um timbre novo, ritmos novos, novas visões poéticas, novas experiências, não de um grupo coeso, mas de individualidades, de fazer poesia, porém não completamente esquecendo o lastro parnasianismo, ou de traços clássicos. Não aboliram o soneto, nem certos temas caros à dicção tradicional. A geração de 45 teve, assim, essa postura polêmica e contraditória ao mesmo tempo e por isso mesmo fora tachada de reacionária, neoparnasiana.
Lins endossou alguns poetas da geração de 45, no que foi censurado por uma estudiosa de sua obra, a Adélia Bolle.(BOLLE). Entretanto, é preciso ter em mente que ele, ainda que fosse um crítico com visão afirmativa da poesia moderna, no Ocidente ou no pais, por formação era um crítico que atribuía muito peso dava à questão do estilo , da forma, da substância e, no caso do gênero poético, ainda que tivesse a disponibilidade para o novo em tudo o que se referisse à literatura, mantinha um compromisso com correção da língua e com a postura intransigente diante da adequação entre o estilo, forma, conteúdo.Não precisamos advertir que estamos aqui empregando termos do campo semântico-teórico de Lins e de sua época.
Quer dizer, ele não aprovava, por exemplo, que Mário de Andrade, num ensaio, empregasse uma linguagem, uma expressão que, para o crítico, não se coadunava ao estilo do ensaio. Essa dimensão do que hoje se conhece como os registros linguísticos, lhe era fator determinante de elaboração estética. Para Lins, tratava-se de “descuido formal” no que diz respeito à linguagem de um ensaio e, por extensão, até mesmo à linguagem literária. Quer em prosa, quer em poesia.
Este substrato clássico que lhe estava na personalidade de crítico explica a sua preferência por poetas que, como Baudelaire, nunca desprezaram o rigor da tradição literária com os temas e formas modernas de poesia. Naturalmente aqui não se tem em conta colocá-lo entre os críticos superados que nas obras lidas só viam como componente essencial a correção gramatical ortodoxa e ainda presa à sintaxe dos clássicos portugueses.
O que Lins não perdoava era a ausência do conhecimento profundo da língua, do seu domínio e cultivo, de suas virtualidades, da língua como potencial de sofrer modificações e inovações criativas e revolucionárias nos estilos de cada autor, seja na poesia, seja na ficção. Razão pela qual recebeu com tanto entusiasmo a ficção de um Guimarães Rosa, de um Murilo Rubião, de uma Clarice Lispector. de um Graciliano Ramos, de um renovador na dramaturgia brasileira, Nelson Rodrigues
No domínio poético, ainda vai mais longe. Seus estudos de poetas como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Augusto dos Anjos, Cecília Meireles, Raul Bopp e de tantos outros poetas brasileiros ou portugueses, do passado e de todo o período em que atuou como crítico. O mesmo fez com respeito aos estudos de autores estrangeiros, como Proust, Eça de Queiroz, Antero de Quental, Camões.
Um traço queremos levantar nestas observações finais sobre pensamento estético-filosófico-culturalista de Álvaro Lins: um crítico que, enquanto analisava autores em diversos gêneros e ramos do saber, o fazia num estilo que poderíamos definir como crítico-aforístico, i.e., um crítico ávido por definições, que tanto usava a emoção, a sedução do seu estilo, as suas faculdades de crítico criador, e a razão como forças-motrizes do seu poder de análise, interpretação e julgamento das obras, os três pilares de sua crítica.
Seus artigos em rodapés, nos ensaios em livros eram sempre uma forma de estar - vamos empregar um termo mais moderno - fazendo metacrítica no que concerne a aspectos teóricos, concepções de gêneros literários e de outros elementos fundamentais da literatura que obsessivamente o acompanhavam com se estivesse procurando esgotar definições que, em síntese, seriam a busca de um conceito que lhe fosse pleno e decisivo para compreender o fenômeno literário e a crítica.