Ah, Manaus!
Em: 24/05/2022, às 21H21
[Dilson Lages Monteiro]
Ah, Manaus – ontem parece hoje. Se me vejo respirando tuas ruas, é como se nelas houvesse um pouco de Olinda. Um pouco de Ouro Preto. Um pouco de Tiradentes. O passado que não passou.
Tento enxergar em ti o final do século XIX. Haveria ainda sinais inspiradores de uma Paris nos trópicos? Tempos de malária, machados, pás, enxadas, picaretas. Barro e cal. Antes de tudo, tomo todo o cuidado de espalhar repelente pelo corpo. Avançamos, mas não o suficiente para que doenças irmãs do Sezão, e o próprio Sezão, definitivamente, fossem moradas de um tempo escasso de remédios funcionais!
Fico a imaginar quantas casa de primeiro pavimento em madeira de lei! Quantas casas! De varandas para se sentir mais próximo do ar. Para ver mais longe. Suspenso no sonho da modernidade. Tomo o táxi e procuro pelas ruas charretes puxadas a animal. Século XX ou IX?
Chego ao meu destino. Marco Zero. Começo de verdade a viagem.
Do lado, à esquerda, à direita, para o céu, o que respiro é o mundo cosmopolita no meio da selva. O mundo do tempo da borracha. Mas o teatro, maior que tudo. De sua fachada ao interior, a nobreza de um lugar transfere arrepios. E os olhos procuram concentrar-se em meio à profusão de imagens inebriantes. A fachada em arcos e colunas. Ou colunas e arcos, a depender se o vejo de baixo para cima; de cima para baixo. O olhar esbarrando na cúpula sobre o teto: o sol, para mais perto de mim; voo sem sair do chão.
Entro no Teatro já satisfeito com o que vejo. Como se a aventura não tivesse ali apenas começado. Para onde olho, mesmo? Para o três pavimentos-camarotes. Para as colunas sustentando o peso do tempo. Para as escadas a me conduzirem ao grande salão de festas de que tanto já ouvi comentários... Mais rápido que meu pensamento foram meus passos. Empurram a vista para os lustres em abundância, em luz semiescura, abafada como a umidade amazônica.
Nem me dou o prazer de respirar e já contemplo, do alto do primeiro pavimento, o largo, para onde minha ilusão momentânea me transporta. Adulto do pensamento criança. As curvas brancas do Solimões. Praias de areia. Botos. Tudo rápido e suficiente para respirar em exaustão.