acervo do autor
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Dizem que as segundas-feiras são mortas. Improdutivas, quase inúteis como os domingos. Há até quem as considere depressivas... Bem, depende do ponto de vista — como tudo que rasteja e insiste em viver sob o sol. 

Falando em sol, compro uma água — lá no cinema uma garrafinha dessas custa os olhos da cara. Chamo o Uber: preciso urgentemente sumir do tumulto do centro. Ademais, a previsão diz que vem tempestade com possibilidade de granizo por aí.

— Seja muito bem-vindo! — saúda o motorista que, ajeitando a boina, volta a olhar o trânsito. 

Vidros quase fechados, poltronas cheirando a novo, ar-condicionado na temperatura ideal, Espírito do Trino Deus tocando baixinho... Uai, entrei na condução que leva ao Além? Na dúvida, confiro o destino no aplicativo. 

Seguimos sem conversar, a música por companhia. Veículos novos e seminovos passam voando por nós; uma motoca dessas do iFood, por pouco, não reivindica para si o retrovisor do meu bom motorista.

Quase chegando ao shopping, enquanto o motor ronca e engasga e se esforça para subir a ladeira, toca Este mundo não tem a sua paz... Cruz-credo, eu hein!

Largo um "boa tarde e bom trabalho" como gorjeta e salto para a calçada.  

Ingresso e pipoca comprados, entro na sala 1. Após vinte e poucos minutos de anúncios — nossa, os cinemas estão mais irritantes que o YouTube! — começa o filme. 

Já na primeira cena sou fisgado, arrebatado, teletransportado para os anos 1970. A estética, as ruas e roupas, os carros e trejeitos lembram muito minha infância — que se desenrolou na década seguinte, mas respirou muito do gás carbônico expelido pelos fuscas, chevettes, brasílias e corcéis da vida. Os canaviais que margeiam a estrada onde o protagonista transita — seria o tal agente do título? — resgatam lembranças adormecidas das usinas, da fuligem tingindo as roupas no varal, das carrocerias dos caminhões lotadas de boias-frias cujos olhos cansados e sofridos ainda ceifam, nalgumas noites, meus sonhos.     

O Agente Secreto é longa para se aplaudir de pé, como fazia, no meu tempo, aquele bonequinho d'O Globo.

Desço, satisfeito, a escada do cinema. Agora, aonde ir? Olho, desinteressado, as vitrines; desejo o jovial corpo que acaba de deixar a livraria. Sinto fome.

Ah, vou bater um prato ali no restaurante que inaugurou há pouco tempo. Isto é, se houver mesa para um solitário cronista — porque, da outra vez, exigiram reserva antecipada ou que eu aguardasse ad infinitum na fila.