A voz e a eletricidade
Por Bráulio Tavares Em: 17/04/2013, às 19H12
[Bráulio Tavares]
A literatura e a poesia sempre dependeram da voz, com exceção dos breves 500 anos após a invenção da imprensa. Antes da imprensa, quando os livros eram escritos à mão, palavra falada e palavra escrita pelo menos lutavam pau-a-pau pelo poder. Na Antiguidade e na Idade Média livros eram coisas muito caras. Somente quem tinha uma certa grana podia comprar a cópia de um livro para tê-lo em casa, ou podia pagar um escriba para copiá-lo. Poemas e textos circulavam, sob forma escrita, mas sua circulação oral era certamente grande.
A invenção da imprensa abarrotou o mundo de livros de papel, mesmo que em seus primeiros anos os livros impressos também fossem um luxo de quem podia pagar. Mas não importa; a palavra escrita tornou-se sinônimo de cultura. E ainda hoje vivemos isto. Se alguém tem uma sala cheia de livros, achamos que é um intelectual, mesmo que ao falar ele revele ser uma besta quadrada. E se alguém nos diz que não sabe ler nem escrever, pensamos de imediato que é um sujeito burro, quando às vezes é mais inteligente e bem informado do que nós (e sabe mais poemas de cor).
Quem resgatou a Poesia da Voz foi a eletricidade, a partir do século 20, com três invenções decisivas: o rádio, o disco e a televisão. Com a ajuda desses meios a palavra falada ultrapassou a palavra escrita em importância, inclusive pelo fato de que isso coincidiu com a explosão das populações. Em muitos países, como no Brasil, milhões de pessoas passaram a ter acesso a esses três canais de comunicação sem nunca terem lido um livro. Do ponto de vista poético, o século 20 foi o Século da Canção. Nunca essa forma de arte foi tão cultivada, tão disseminada e teve um papel tão grande (maior que o romance, o conto, o poema escrito, etc.) na formação das pessoas, no seu lazer, na sua convivência, no seu entendimento do mundo.
O que ocorre agora com a Cultura Digital Eletrônica é uma mistura desses acontecimentos cruciais, a popularização da palavra escrita pela imprensa e a massificação da palavra falada pelos meios elétricos. Na Cultura Digital, a palavra escrita se multiplica de forma incontrolável, e o mais interessante é que agora uma só tecnologia está beneficiando ambas, a escrita e a falada. A Voz não lucrou nada com a imprensa, a Palavra Escrita lucrou pouco com rádio, etc.; mas as tecnologias digitais, com essa espantosa flexibilidade que têm, são capazes de beneficiar igualmente a Palavra Falada e a Palavra Escrita. (Para não falar na Imagem!) Não é o Fim do Mundo nem é a aurora de uma Idade de Ouro, mas é um momento raro de redefinição dos alicerces da comunicação. Temos sorte de viver um momento tão cheio de novidades.