Cunha e Silva Filho

 Os grandes ídolos, em geral, morrem prematuramente, e nos deixam bem tristes. Isso em todas as manifestações artísticas, porquanto ninguém quer perder a quem se admira. Michael Jackson (1958-2009) está nesse grupo seleto. 


Talento magnífico no seu gênero de música, que se  completava ainda com a vocação de compositor e coreógrafo, Michael Jackson, garoto precoce, no tempo do  grupo The Jackson 5, dava já inegáveis sinais de superioridade em comparação com   os demais componentes dessa antiga e vitoriosa banda formada de membros de sua família. Mas, o destino lhe reservava mais, muito mais no plano de artista solo. Não nasceu para ser sombra entre outros. Tinha que ser único e incomparável.


Artista de extrema originalidade e presença no palco, mesmo para não especialistas , via-se claramente a superioridade vocal e os movimentos de um dançarino destinado a ser um cantor de amplos recursos e de futuro garantido não só na América mas também em escala mundial.


Era negro, magrinho, porém a marca de sua etnia não o prejudicaria na carreira, como  não prejudicaria  tantos outros talentos  americanos negros nas mais diversas formas artísticas. Se não tivesse descambado para um comportamento excêntrico que o levou a contrariar as leis da Natureza biológica, sua vitória teria sido impecável. Mas, não. Preferiu o branqueamento artificial, negado por ele, pois se dizia vítima de uma doença da pele. Ninguém acreditou nisso. 


Desejou mudar as linhas do rosto. Não queria ser negro e feio, sofria de complexos de aparência, queixando-se de que seu pai o considerava feio. Não era feio, não precisava disso.Operações no rosto, no nariz , pouco a pouco, iam lhe alterando as feições e traços negroides. Era o início da sua tragédia pessoal.


 Não obstante isso, tal era o  seu talento para a música, a dança, a composição, a coreografia, reforçadas pelo perfeccionismo e rigor da disciplina enquanto artista, que a metamorfose do rosto e da pele não o impediu de se tornar um super-astro, atraindo milhões de fás no mundo inteiro, que, nos seus shows, eram levados ao delírio, tanto quanto o fizeram com os Beatles ou até mais, já que o leque de seu alcance musical atingia todas as faixas sociais e até de idade. Ou seja, Michael Jackson provou que a arte é maior do que o homem. Ainda mais, que a arte suplanta até mesmo os defeitos morais, as idiossincrasias, as fraquezas humanas.


A música o dignificou superiormente. A dança lhe foi um complemento que, pela originalidade dos movimentos, passos, trejeitos, mise-en-scêne fantástica, pela pujante presença artística de que foi dotado, fazia apagar o seu lado de homem na intimidade.


A enorme popularidade de sua força vocal, de seu brilho nos palcos, de sua criatividade interpretativa e perfomática tornaram-no um milionário  com todas as sequelas derivadas da nova condição de celebridade mundial.


Dizem que sofria, na vida privada, do complexo de Peter Pan, uma eterna criança, de voz macia e até feminina ao falar em público.


Michael Jackson sofreu humilhações, foi, certa vez, algemado, acusado de pedofilia , acusação  que ele sempre rechaçou com veemência.

Quem o conheceu, até mesmo no Brasil, não deixou de realçar-lhe as atitudes gentis, de ternura, de uma pessoa frágil e compreensiva. Muitos o achavam até ingênuo.


A vida familiar tumultuada e polêmica, com o tempo, foi-lhe desgastando a figura que, apesar de tudo, continuava sendo admirada ainda por muitos. Nem mesmo os escândalos em que se viu envolvido conseguiram  abalar o grande apreço dos fãs. O cantor estava acima das supostas denúncias contra a sua dignidade pessoal.


Seu sucesso encheu-lhe de milhões  de dólares que, na mesma proporção que lhe caíam na conta bancária, foram por ele perdulariamente gastos, levando-o à insolvência financeira, ainda mais agravada com as fabulosas indenizações pagas às vítimas de seus supostos contatos íntimos com crianças, sempre por ele firmemente contestados.


Ninguém pode negar que, à medida que se metamorfoseava fisicamente (o rosto, a pele, para sermos precisos), a sua aparência chegou à condição de deformidade, que, às vezes, escondia usando máscara.


Aquele rosto desfigurado, feio, lembrando uma aparência de palhaço, sem dúvida contribuiu para que a sua presença física perdesse pontos junto ao público. O excesso de querer-se branco e bonito foi uma tragédia construída por ele próprio. Neste aspecto, acho que os cirurgiões plásticos pensaram mais nos seus lucros do que na aparência do cliente rico; para mim, esses médicos são culpados, uma vez que a cirurgia plástica é uma cirurgia estética, visa à beleza, não à deformidade. Essa foi a decadência do grande cantor como homem e de certa forma como artista no palco cuja identidade física tinha se perdido com as modificações plásticas.


Devemos, agora, considerar a sua enorme contribuição à música pop internacional como da melhor qualidade por todos os ângulos, pela voz, pelo ritmo, pela ousadia sem precedente na forma de dançar, criando-se, assim, uma nova e surpreendente maneira de cantar e dançar jamais testada antes por algum artista no seu gênero. Virtuose do som, da dança do palco, da coreografia, dos efeitos dramáticos e surreais, dificilmente surgirá no cenário da música pop americana alguém com a marca de sua genialidade e do seu carisma. 


O seu êxito estonteante, sua conquista, sua vitória permanecerão em grandiosos momentos de sua musicalidade demonstrados em canções e em sucessos como “Thriller”, “Beat it”, “Billie Jean”, na introdução do gênero vídeo musical e em tantos outros hits musicais cantados e imitados no mundo inteiro.