Lina Tâmega Peixoto é poeta mineira, nascida em 1931
Lina Tâmega Peixoto é poeta mineira, nascida em 1931

A VIDA EFÊMERA

 

                               Lina Tâmega Peixoto

 

 

Há, em Fanais dos Verdes Luzeiros (Editora Penalux, 2019), de Diego Mendes Sousa, uma linha do “tempo preservado” que enlaça os poemas nas lembranças de inúmeras vertentes conceituais, tais como: dor, melancolia, felicidade, desejo, abismo, desengano, infância. O poeta não se encontra entre dois espaços antitéticos, mas semelhantes: o tempo, modulado de instantes, e a memória do "tempo reencontrado", ambos revestidos de imagens que exprimem a voz do espírito e do pensamento estético e imaginário.

No primeiro poema, “Fanal dos omissos”, que abre o livro, lê-se: “Decerto, nas lembranças, / estaremos a omitir / o que o tempo preservou / sob as nuvens de um céu / de amargo chumbo.”. Do poema que fecha a obra, “Elegia da lembrança do tempo”, transcreve-se: “Passa o tempo, / Deus guarda. [...] Ou preserva o tempo / dilacerado, redivivo.”.  Este “tempo preservado”, com relevo para o da infância, organiza a arquitetura dos símbolos de devaneios e de busca para reter o passado como um permanente presente, capaz de alimentar e iluminar cada poema.

Valéry observava que há palavras que circulam no universo do poeta como se orientassem as operações do espírito criador. Assim, nos chama a atenção o emprego do verbo “sangrar" e, também, da forma nominal, “sangrenta", encontrados em muitos poemas, sugerindo um estado de alma, o da purificação pelo romper das veias ou o da vida efêmera que escapa pelo sangue. Citemos um poema, para exemplo: “Quis, enquanto poeta, ser a metamorfose dos anjos. / Consegui sangrar”. A doçura de “sangrar” o passado e trazê-lo para o presente, evidencia as sombras, os fantasmas, os abismos, a doçura dos instantes, pela ação de transfigurar, pelo pensamento que sonha, a vida íntima e profunda.

Do mesmo modo, há pregas fortes, contundentes, nas imagens que evocam presença de passado, de uma vida instigada pelo devaneio e pelas ideias que se cristaliza no emprego da palavra “fantasma”. E para exemplo, transcreve-se: “Os fantasmas da minha solidão / vão embora” ou, ainda: “Disparei os meus dedos fracassados na ambição de transpor os fantasmas. / Partirei com eles.”.

Por fim, uma breve menção aos versos de García Lorca que configuram a epígrafe e remetem ao título da obra de Diego Mendes Sousa. Eis: “Diz a tarde: “Tenho sede de sombra!” / Diz a lua: “Eu, sede de luzeiros.”.

A lua evoca a morte e traduz as nuances afetivas da angústia espiritual, na poesia de Lorca. Por isso, ela anseia pelos “verdes luzeiros”, pelo sol, seus brilhos, seus fachos luminosos, a origem da vida, a cor verde representando o amor ainda não realizado, a fim de que se dê a fusão desta inter-relação mística e transcendente.

 

Brasília, julho de 2020

Lina Tâmega Peixoto

 

 

 

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Lina Tâmega Peixoto é mineira, nascida em 1931. Poeta brasileira. Fundadora da Associação Nacional de Escritores (ANE). Membro da Academia de Letras do Brasil e do PEN Clube do Brasil.

 

Tinteiros por Diego Mendes Sousa