A presença GRD
Por Miguel Carqueija Em: 11/02/2011, às 12H07
(Miguel Carqueija)
Falamos hoje sobre o lendário editor Gumercindo Rocha Dorea
Quando eu tinha 17 anos comecei realmente a me interessar por comprar livros de ficção científica. Lembro-me perfeitamente que o primeiro que adquiri, por avistá-lo numa banca de jornais, foi o “Pânico na Terra” de R. Lionel Fanthorpe, obra da velha série Futurâmica das Edições de Ouro. Um livro que nem possuo mais, uma novela bastante indigesta, acompanhada pelo conto “space-opera” de Rod Patterson, mas que li com bastante atenção. Depois foi a vez de “Loucura na Galáxia” de B.R. Bruss, que inaugurava a Coleção Galáxia da Rio Gráfica. Eu ainda estava para descobrir os grandes autores como Ray Bradbury e Isaac Asimov.
Nessa época, como eu andava buscando nas livrarias as fileiras de ficção científica – e isso existia – era inevitável esbarrar com a Coleção GRD, cujos volumes, embora não muito grandes, não eram de bolso como os supracitados. E na Livraria Eldorado, na Praça Saens Pena, vários volumes da Ficção Científica GRD estavam expostos. Eu os examinava, fascinado pelo capricho das capas, pelos comentários por vezes aliciantes das orelhas e contracapas. E na medida do possível fui comprando.
O primeiro que me veio às mãos foi certamente o grande clássico “City”, “Cidade”, de Clifford D. Simak, um dos livros de mais bela apresentação que já folheei (e o Gumercindo Rocha Dorea, que vim a conhecer muitos anos depois, merece os parabéns pelo esmero das suas edições), com a figura do autômato Jenkins na capa, a cidade misteriosa avistada a distância, e na capa de trás um texto genial, que despertava a maior vontade de ler a obra: “A história fabulosa da família Webster, através de 10.000 anos de vida. A decadência e queda das grandes cidades, a civilização dual de Homens e Cães, a filosofia de Juwain e a presença de Jenkins, o autômato que atravessava os séculos e as fronteiras dos mundos dimensionais. A fuga para Júpiter, o planeta imenso que os Homens tentavam conquistar abdicando de sua forma humana e se convertendo nos Rastejadores.”
Assim, em poucas palavras, Dorea sintetizou um mundo de encantamento, uma voragem avassaladora de conceitos extraordinários, retumbantes. Qualquer apreciador de fantasia fica com grande vontade de ler um texto assim apresentado. E, com franqueza, foi com esse genial Simak que comecei a penetrar mais fundo nas riquezas escondidas na ficção científica. Com a continuidade das leituras vamos percebendo que a FC é infinita em suas possibilidades.
Pouco tempo depois adquiri o número 14 da coleção, “A nuvem negra”, do astrônomo inglês Fred Hoyle, outro livro que me impressionou deveras. E também aí o texto da contracapa estava à altura da grandiosidade do romance: “A Terra morria sufocada por um poder estranho vindo de mais longe que as estrelas e mais antigo que o tempo! Um só objetivo: atingir o sistema solar deslocando os planetas de suas órbitas e tudo extinguindo na caminhada dos séculos... Por que? A mortífera matéria galática era ela própria, a ambição suprema: QUEM SOMOS? Poderia o Homem responder a esta pergunta?”
E aí comecei a tomar conhecimento também da ficção científica brasileira, da qual quase nada conhecia, afora o conto “O navegador” de Millor Fernandes. Pude ler “As noites marcianas”, de Fausto Cunha, “Fuga para parte alguma”, de Jeronymo Monteiro, e as duas antologias, “Antologia Brasileira de Ficção Científica” e “Histórias do Acontecerá”.
O romance de Monteiro – autor que eu desconhecia e que se revelou prolífico e especialista em FC e mistério – era especialmente marcante. O autor nacional desvendava um futuro extremamente longínquo onde a tecnologia avançadíssima não livrava a civilização de ser destruída pelo inimigo animal, inseto, por uma raça perigosíssima de formigas amazônicas, as “atas”, devoradoras e impiedosas. O enredo é extraordinariamente sombrio e deprimente; Monteiro parecia interessado em criticar o orgulho da raça humana, auto-proclamada rainha da criação, desafiada por uma criatura imensamente menor, desprovida de tecnologia e inteligência.
Também li por aquela época a coletânea “As negras crateras de Lua” (no original “The green hills of Earth”, isto é, “As verdes colinas da Terra”), onde descobri Robert Heinlein, um dos monstros sagrados da ficção científica do século XX, e de quem depois vim a ler vários outros livros. O estilo escorreito de Heinlein comprovava um autor respeitável e excepcionalmente talentoso.
Em poucos anos foram rareando os títulos da GRD. A coleção foi suspensa e, já na época do fandom, nos anos 80, o editor ensaiou um retorno mas somente nos anos 90 a Ficção Científica GRD reapareceu com nova numeração, e dando chance a novos nomes nacionais como o médico José dos Santos Fernandes, que teve editada a sua coletânea “Do outro lado do tempo”. Infelizmente os tempos eram outros e os novos títulos não obtiveram grande divulgação, e vários livros anunciados não foram lançados. A coleção foi suspensa sem reavivar o clima dos anos 60.
Mesmo assim, Gumercindo Rocha Dorea consolidou-se como uma lenda viva para o fandom brasileiro, uma referência inesquecível e com lugar garantido na história da FCB. E títulos como “Além do planeta silencioso” de C.S. Lewis (que inaugurou a série em 1958), “Eles herdarão a Terra”, de Dinah Silveira de Queiroz, “Um caso de consciência”, de James Blish, e a antologia brasileira “Dinossauria Tropicalia”, de 1994 (onde tive a honra de participar com outros autores patrícios como Roberto Causo, Finisia Fideli e Cesar Silva) são hoje preciosidades para qualquer colecionador e um grande legado para os futuros historiadores desta fascinante modalidade literária.