Outro dia li uma carta de Locke à Lady Peterborough. Lá pelas tantas, ele dizia que a verdadeira política é parte da filosofia moral, essa arte delicada de conduzir retamente os homens em sociedade. Fechei o livro e fiquei tentando digerir aquela ideia — política como arte de convivência, não como disputa ou esperteza. Bonito, pensei. E difícil.

É curioso como tanta gente torce o nariz quando se fala em política. "Ah, não gosto!", dizem, como se fosse algo estranho, um assunto impertinente, uma coisa suja que se deve manter longe da sala de estar. Mas aí eu penso em Aristóteles, aquele grego que vive nos livros de filosofia e de vez em quando aparece nos discursos de formatura. Ele dizia que o ser humano é um animal político. Ou seja, a gente só vira gente de verdade no meio dos outros.

É com os outros que a gente aprende a falar, a levantar, a caminhar, a contar até dez, a entender o mundo e suas alegrias e dores. No meio da turma, da vizinhança, da escola e da rua, é que se aprende o certo e o errado, o que pode e o que não pode, mesmo que seja sob o temido voo rasante de uma Havaiana. Sozinhos, seríamos apenas criaturas ignorantes, com fome e medo. Mas juntos, nos tornamos capazes de perguntar por que o céu é azul e por que uns têm tanto e outros tão pouco.

Só que viver em sociedade, sabe-se, exige esforço. É preciso paciência para suportar os indiferentes, esperteza para escapar dos espertos, e um certo jogo de cintura para lidar com os oportunistas. Todos os dias saímos de casa torcendo para não cair em armadilhas, para que nos deixem em paz no trânsito, no trabalho, no ônibus cheio. Parece que estamos sempre à beira de um tropeço.

Mas é disso que trata a política — não das brigas no parlamento ou dos discursos inflamados na TV e nas redes sociais —, mas da convivência diária, dos acordos silenciosos, dos limites que aceitamos para viver em grupo. Política é tolerar o outro. É negociar com a diferença. É saber que nem sempre a nossa vontade pode prevalecer.

Num Estado plural, democrático e cheio de culturas, a política aparece nas pequenas coisas: no bom-dia ao porteiro, no respeito à fila do banco, na escuta paciente de quem pensa diferente. É um exercício diário e cansativo, mas necessário.

Talvez por isso Locke tenha chamado a política de arte. Porque, como toda arte, ela exige sensibilidade, técnica e uma boa dose de esperança.