Bráulio Tavares

Numa possível lista das minhas palavras favoritas na língua portuguesa, esta apareceria nos primeiros lugares.  Por que?  Não é uma palavra bonita como “cristalino”, não é uma palavra rara como “saudade”, não é uma palavra carregada de afetividade étnica como “cafuné”.  É uma palavra fascinante pelo feixe de idéias contraditórias que concentra em si.


Vejamos.  A palavra vem do latim.  “Indivíduo” não passa de uma metáfora matemática: in (negativa) + dividuo (divisão).  Ou seja: aquilo que não pode mais ser dividido, a unidade básica.  É o mesmo que o grego “átomo”: a (negativa) + tomos (divisão).  Só nesta pequenina equação etimológica temos uma aula completa de Filosofia e de Física Quântica!  Quando lidamos com “aquilo que não pode mais ser dividido” estamos lidando com o imponderável, com o imprevisível, com aquilo que pode-se até enxergar de fora mas nunca se poderá interpretar por dentro.  Nenhum cientista consegue prever e calcular o movimento de uma partícula sub-atômica.  


(Aqui somos forçados a fazer uma atualização científica.  Cem anos atrás chamava-se de átomo, ou seja, não-divisível, algo que hoje sabemos ser divisível, sim, em partículas menores como elétrons, prótons, nêutrons, e mais uma chusma de outras purpurinas microscópicas chamadas de mésons, bósons, quarks e centenas de outros nomes.  Estes, sim, são (provisoriamente) os verdadeiros “a-tomos”, os verdadeiros não-divisíveis).


Nenhum físico consegue prever o movimento de uma dessas partículas.  O famoso “princípio da incerteza” formulado por Werner Heisenberg dizia: ou sabemos a posição exata de uma partícula em dado instante, mas não temos idéia da velocidade com que ela estava se movimentando, ou então podemos calcular com precisão sua velocidade, mas aí nunca poderemos saber onde ela está num dado momento.  Posição e velocidade: quanto mais nítida é a nossa visão de uma, mais desfocada se torna nossa percepção da outra.


A maneira mais confiável de lidar com essas partículas é considerá-las estatisticamente, e quanto maior a quantidade considerada mais aproximadas se tornam nossas previsões.  Ora, é justamente o que acontece quando lidamos com os “in-divíduos”.  Difícil saber em quem votará Zé da Silva na próxima eleição, mas se tabulamos um milhão de Zés da Silva é quase certo que acertemos.  In-divíduos e a-tomos são becos sem saída.  Quanto mais os enxergamos de maneira precisa, personalizada, mais imprevisíveis eles se tornam.


E ainda por cima existe o fato de que o indivíduo humano (como o átomo considerado em 1890) pode ser subdividido, sim.  Fernando Pessoa é o exemplo mais claro de que somos várias pessoas numa só, várias vontades, impulsos contraditórios, desejos conflitantes.  A psicologia moderna está careca de tratar de casos de dupla ou múltipla personalidade.  O que temos de único é nosso corpo, mas em matéria de mentes somos mais múltiplos do que o átomo que Ernest Rutherford provou um dia que era possível dividir.