A LIÇÃO DO BESOURO
Por Elmar Carvalho Em: 18/10/2013, às 16H04
ELMAR CARVALHO
Estava eu no salão de espera de um hospital de Teresina, aguardando a chegada da Fátima, que vinha me buscar, quando de repente vi um pequeno besouro vir em linha reta, em leve diagonal, no rumo da parede lateral do prédio. No percurso traçado pelo inseto havia um papel laminado, desses de embrulhar bombom; ele, porém, não se deteve e nem alterou sua direção. Atropelou a embalagem, bem maior e mais pesada que ele, como se fora um pequenino trator, e seguiu em frente. Aparentava ter um plano e um horário a cumprir, e por isso não pudesse admitir atraso e nem mudança de meta e rota.
Parecia seguir para algum encontro, com hora determinada, e a pontualidade lhe fosse uma questão de honra. Era como se fosse elétrico, em sua frenética agitação, que lhe sacudia todo o corpo e as apressadas perninhas. Desenvolvia altíssima velocidade, se considerássemos o seu tamanho. Era como se fosse um brinquedo de corda, ao qual tivesse sido dado o máximo de tração possível. Pela maneira como ele enfrentou o obstáculo do invólucro da guloseima, demonstrava ter uma força extraordinária, muito desproporcional ao seu tamanho e peso.
Para esse inseto, cuja carapaça lhe dava um aspecto de tanque blindado, parecia não existir nenhuma pedra no meio do caminho, como no conhecido poema de Drummond. Aliás, este poeta tem um outro poema, intitulado Áporo, no qual é dito que um inseto perfura a terra. Segundo reza a lenda ou uma anedota, por um erro tipográfico, em certa publicação, constou que o inseto perfumava a terra. Certo hermeneuta, em obscura e sibilina interpretação, foi explicar o que o poeta queria dizer com a metáfora em que o animalejo perfumaria a terra.
Drummond, em cáustica ironia, comentou que seu poema era muito simples, mas o crítico o transformara num monstro de obscuridade, ou algo semelhante, já não recordo bem o comentário jocoso do vate. De qualquer sorte, o meu besouro não perfurava e nem perfumava a terra, apenas percorria a sua trilha imaginária, da qual não se afastava, dando-nos a lição de que devemos ser perseverantes e de que devemos nos focar, sem desnecessários desvios, em nossos objetivos.
Através da internet, colhi a informação de que, em “renomado dicionário”, áporo teria a acepção de: “Problema de difícil resolução. Bot. Planta da família das orquidáceas. Zool. Inseto himenóptero.” O meu besouro não parecia enfrentar nenhum problema de difícil resolução; pelo contrário, aparentava cumprir uma tarefa com muita determinação e resolutividade, sem titubeios e sem vacilos. Com certeza não era uma planta, muito menos uma orquídea. Com certeza, era um inseto, mas não himenóptero, uma vez que não era vespa, abelha ou formiga.
A diligência do meu besouro me fez lembrar um antigo texto, conhecido por muitos como “mensagem a Garcia”. O presidente dos Estados Unidos, Mac Kinley, precisando comunicar-se com esse Garcia, que se encontrava no interior de certa floresta, quase inacessível, procurou um homem capaz de cumprir essa missão. Disseram-lhe que apenas um homem poderia fazê-lo. Trouxeram-lhe essa pessoa, cujo nome era Rowan.
Esse intrépido mensageiro nada falou sobre as dificuldades que teria de enfrentar, como lagos, rios, serras, pântanos, feras, espinhos e urtigas; apenas guardou cuidadosamente a mensagem, protegendo-a de eventuais intempéries, e partiu imediatamente para cumprir o que lhe fora determinado. Parecia focado apenas no que teria de fazer, não lhe interessando cogitar sobre as dificuldades e percalços que certamente teria de enfrentar. Não preciso acrescentar que Rowan cumpriu o seu mister.
O besouro parecia ter o caráter desse homem; aparentava ter uma missão a cumprir, ter traçado uma meta para fazê-lo, e nenhuma circunstância lhe tirava o foco, como se costuma dizer atualmente. Não sei qual era o seu desiderato e nem para onde exatamente ele se dirigia. Sei que passou por mim, e seguiu em frente, com a mesma pressa e sempre na mesma direção.
Tenho certeza de que, se tivesse algum obstáculo intransponível, ele faria um desvio, mas seguiria seu caminho de forma imperturbável, porque o meu besouro não era de desistir. Espero que um descuidado pé humano não o tenha impedido de levar a sua “mensagem a Garcia”.