A fumante
Por Chagas Botelho Em: 28/02/2023, às 10H58
[Chagas Botelho]
Papai fumava aos montes. Era um tabagista inveterado. Parecia uma chaminé ambulante. Uma chaminé de nicotina. Um dia, o doutor lhe disse: “Seu Manoel, o senhor para com o fumo ou o senhor morre”. Papai, então, parou. Deu um basta. Talvez, por isso, ainda viva. Vive com os pulmões limpinhos e há tempos já passou dos noventa anos. Será que chega aos cem? Tomara que ultrapasse.
Papai não fumava das marcas famosas, tais como: Hollywood, Carlton, Continental e tantas outras. E sim, aquele que antigamente chamavam de “pau-ronca”. Daqueles que no pacote vinha a imagem do personagem de Monteiro Lobato. Aquela figurinha sorridente que fumava cachimbo e tinha uma perna só. Quando o pacotinho findava, ele, teimoso no vício, me mandava comprar mais. Criança, eu ia. Não entendia que era cúmplice de um suicídio. Sim, porque fumar e como ele fumava em demasia, era se matar, gradativamente.
E, por que hoje estou abrindo essa janela da lembrança? Porque agora a pouco, vi uma senhora comprando dois pacotes de fumo, e os colocando na sacola das outras compras. Inserindo-os entre elas. Na hora do pagamento, os dois pacotes tomavam a dianteira — e tornavam-se prioritários. Da mesma forma que naquela época, papai me pedia para fazer: “pague primeiro o fumo e só depois as outras coisas”.
A fumante observada, pelo visto, também inveterada, aparentava ter a mesma idade quando papai parou com as baforadas viciantes. Com aquela fumaça incômoda. Ela tinha o mesmo semblante de quem é dependente do tabaco. A mesma força do hábito: priorizar o fumo para em seguida enrolar um cigarrinho de palha. E os alimentos perecíveis, bem, estes, que esperassem um pouco mais.
A sorte é que papai encontrou pela frente um médico rigoroso. Sem meias palavras. Que lhe apresentou duas alternativas vitais. Disse-lhe, decisivo: “seu Manoel, ou vai, ou racha”. Meu velho, a duras penas, escolheu livrar-se do vício infame e de outros mais. Agora, passa os dias sem vícios, quer dizer, minto, tem mania de silêncio. É o homem mais taciturno que conheço.
Esse texto não é uma lição de moral. É apenas um aconselhamento. Espero que a senhora flagrada levando risco aos pulmões, não insista nessa ideia prejudicial de cigarros. Apague-a o quanto antes. E que nas suas próximas compras, nesses tempos difíceis de inflação, de produtos caros, não se esqueça de incluir os itens que de fato lhe ajudem a espantar de vez esse mal que assombra o mundo.