A CRIATURA
Por Margarete Hülsendeger Em: 16/03/2012, às 13H40
Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
Clarice Lispector
Escondida no canto mais escuro do quarto, a criatura esperava.
Ignorante e inocente, a mulher iniciava os preparativos para a noite. Trocar a roupa de todo o dia pelo pijama macio e folgado. Passar creme no rosto, em giros firmes, mas, ao mesmo tempo, delicados. Escovar os dentes, sem esquecer o fio dental.
A criatura sentia a impaciência aumentar. A noite era curta e ela tinha de agir. Era assim que gostava de atacar, na escuridão, quando nada e nem ninguém podia se interpor entre ela e a sua vitima.
A mulher, sentindo algo estranho, olhou a sua volta. Tudo parecia normal. No entanto, ansiosa, saiu do banheiro e, afastando as cortinas da janela, torceu o trinco. Nenhum problema, ele estava bem fechado. Com um sorriso nervoso, ela retornou ao banheiro, precisava escovar o cabelo.
A demora estava deixando a criatura impaciente. Ela pensou em fazer algo, mas, com medo de afugentar a mulher, preferiu permanecer encoberta pela escuridão, aguardando. Uma pisada em falso poria tudo a perder. Assim, mesmo estando um pouco ansiosa, sorriu ante a certeza de que, em poucos minutos, a mulher seria toda dela.
Ao se olhar no espelho, a mulher sentiu-se melhor. Era a primeira vez naquele longo dia que desfrutava de alguma tranquilidade. Havia passado por momentos difíceis, com todos os problemas se acumulando em poucas horas. Nada do que fizera ou dissera tinha resultado em algo bom. Ao contrário. Porém, agora, estava na sua casa, protegida, pronta para dormir e uma boa noite de sono, com certeza, era o melhor remédio para as dificuldades de um dia tumultuado. Espreguiçando-se satisfeita, saiu do banheiro.
Uma gargalhada quase escapou da boca da criatura. Quanta ingenuidade! Contudo, era justamente com isso que estava contando. Feliz, ela esfregava as mãos, já desfrutando do prazer que extrairia daquela noite.
De repente, a mulher lembrou do remédio para a pressão. Com um suspiro de cansaço foi até a cozinha. Da caixa que mantinha em cima da geladeira, retirou um dos comprimidos e, com um gole de água, engoliu a medicação. Pronto. Agora para cama.
A criatura quase enlouqueceu de raiva quando viu a mulher sair do quarto. Sentia como se a vítima fosse ela e não a outra. Precisava se acalmar. O ruído dos pés se arrastando fez com que ficasse novamente em alerta. A mulher voltava. Enfim!
Sem desconfiar de nada, a mulher afastou os lençóis, deitando-se na cama. Um longo e gostoso suspiro escapou da sua boca. Os olhos, lentamente, se fecharam.
Foi nessa hora que a criatura atacou. Com seus braços gelados envolveu a mulher, colando-se a ela.
Os olhos da mulher abriram-se de imediato. Procurando uma nova posição, afofou o travesseiro. Nada. Um sentimento desagradável começava a dominá-la. Quem sabe se contasse carneirinhos? Fechando com firmeza os olhos começou: um, dois, três...
A criatura sorriu.
Dez, onze, doze, treze...
A criatura apertou-se ainda mais à mulher.
Trinta, trinta e um, trinta e dois...
Satisfeita, a criatura sabia que havia ganho a batalha.
A mulher abriu os olhos. Com um suspiro de desânimo, percebeu que a noite seria longa. A maldita insônia estava de volta.