[Whashington Ramos]                                                                 

     Já está com quase um mês que li A cartuxa de Parma, romance da autoria de Stendhal, mas somente agora estou tecendo comentários sobre ele aqui neste espaço. O autor é francês, no entanto a narrativa é centrada na Itália, mais precisamente na cidade de Parma. Com isso, esse escritor joga lama no ventilador das nacionalidades e provincianismos.

     Cartuxa significa convento, prédio onde vivem freiras, abades, monsenhores etc. Embora sugira, pelo título, que a ação se passe num convento; mas, na verdade, isso não ocorre. A ação desse romance se processa principalmente na cidade de Parma. A cartuxa no caso é apenas o lugar onde a personagem central vai passa os últimos anos de sua vida.

     Considero esse romance um texto realista, mas sem o engajamento realista-naturalista. Herança genética, cientificismo, animalização do homem, o coletivo como personagem, antirreligiosidade militante... Essas e outras características do Realismo-Naturalismo não se efetivam em A cartuxa de Parma. Contudo se trata de um romance que mostra grande parte da realidade italiana na primeira metade do século XIX, sobretudo das primeiras décadas, quando a cidade de Parma era um reino como muitos outros, já que a Itália ainda não estava unificada.

     Chamou muito minha atenção nesse livro o fato de o personagem central ser, ao mesmo tempo, um monsenhor e um libertino sem nenhum forte sentimento cristão. As demais personagens sabem que ele é assim. Mas ninguém reclama nem se escandaliza por ele ser desse jeito. Tudo se processa como a coisa mais natural do mundo. Ficou-me a impressão de que era um comportamento comum na Itália das primeiras décadas do século XIX. Porém mais escandalizante ainda é o fato de esse personagem central (Fabricio del Dongo) desejar a morte do filho de sua amante Clélia e contribuir para essa morte. Como é que um cara desse é um monsenhor?

     Há ainda dois aspectos interessantes no romance. O primeiro é a intensa luta pelo poder, travada entre príncipes, duques, condes, duquesas e marquesas. São aristocratas em disputa. O segundo é que não há personagem de comportamento virtuoso entre os que mais atuam na narrativa. São todos falsos e mesquinhos. Não há heróis numa época em que o mais comum era que os textos de ficção apresentassem heróis. Em relação a esse segundo aspecto, é relevante destacar que o narrador não faz comentários sobre o comportamento vergonhoso de seus personagens. Ele não conclui pelo leitor. Deixa que o leitor tire conclusões próprias. Stendhal parece um autor moderno e atual em A cartuxa de Parma.

     É, enfim, um livro cuja leitura vale muito a pena.