ELMAR CARVALHO

 

Geralmente, o burro é um tanto pachorrento, e, às vezes, quando cisma com alguma coisa, empaca. O carroceiro ou o seu condutor fica aborrecido, e acha que o muar está de birra ou fazendo pirraça. Todavia, algo deve ter provocado aquela atitude, seja o pressentimento de algum perigo, seja talvez o cansaço, por causa de uma longa jornada ou uma carga extenuante, sem se falar nos maus-tratos, contra os quais pode ter-se insurgido a alimária.

 

O burro, pela sua força e por sua marcha lenta, parece um trator quadrúpede. Todavia, o que vi no domingo, por volta das onze e trinta horas, quando percorria a rua Alaíde Marques, no sentido leste – oeste, no momento em que me aproximava da avenida Homero Castelo Branco, foi algo inusitado, que me causou muita admiração, pois o que vi estava mais para uma árdega Ferrari do que para um lerdo trator. Quando menos esperei, um burro, em desabalada carreira, cruzou a rua Alaíde Marques, no sentido sul para o norte, como se fosse um bólido enlouquecido.

 

Quando passei pela rua transversal, de dentro do carro, olhei para a direita, e vi quando o muar fez a curva, em alta velocidade, como se estivesse disputando uma corrida, a arrastar o seu cabresto, retornando para o local de onde viera. Temi que o animal atropelasse algum carro, ou fosse atropelado por algum veículo. Por isso, olhei pelo retrovisor, e vi quando ele “cortou” novamente a rua que eu utilizava. Se fosse num dia de tráfego intenso, o final poderia não ser feliz, tanto para o burro, como para os ocupantes de algum veículo, principalmente uma motocicleta.

 

Acostumado a viver preso, peado ou encabrestado, a conduzir penosas cargas no lombo, ou a puxar pesada carroça, sempre ordeiro e pacato, sempre em baixa velocidade, o animal parecia estar comemorando a sua alforria, tal a vivacidade alegre que demonstrava em sua louca correria. Parecia acometido de feliz e saudável maluquice, não fosse o perigo do trânsito de uma capital.

 

Não sei o que se passava em sua cabeça de burro, mas aquele muar parecia o símbolo da liberdade e da felicidade. Aparentava querer externar ao mundo e a todos, naquela manhã ensolarada, o seu regozijo, o seu contentamento, por simplesmente existir, por simplesmente estar vivo, e livre para correr e escaramuçar, sem peias e sem cabresto, que lhe tolhessem ou impedissem os movimentos. Ou estaria adivinhando alguma coisa, que certamente era ótima, se não estaria acabrunhado e deprimido em um canto qualquer.