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O TRAJETO DA VIAGEM OU A VIAGEM AO MARCO EXTREMO DE NÓS MESMOS

NEUZA MACHADO




 

"Porém embarcado chegaria em Manaus sem tropeços depois de 6 dias de viagem a 8 milhas por hora. E 2 dias mais tarde passava pela Boca do Purus, 5 dias após entrava na Foz do Juruá. Não navegávamos dia e noite? Na Foz do Juruá o Rio Solimões mede 12 km de largura e pássaros de vôo curto (o jacamim, o mutum, o cojubim) não conseguem atravessar, morrendo cansados afogados no fundo de ondas pinceladas de amarelo da travessia. Em 8 dias de navegação pelo Juruá chegávamos no Rio Tarauacá e atracávamos em São Felipe, de 45 casas, vila bonita, e arrumada. 9 dias depois entrávamos no Rio Jordão, de onde não prosseguiu o Barão, que não tinha calado, a gente seguindo desse modo de canoa pelo Igarapé Bom Jardim, subindo pois e encontrando nosso termo e destino, a ponta do nosso nó, o término, o marco extremo de nós mesmos, o mais longínquo e interno lugar do orbe terrestre ─ atingíamos finalmente o Igarapé do Inferno, limite do fim do mundo onde se encontrava, e envolto no peso de sua surpresa e fama, o lendário, o mítico, o infinito Seringal Manixi ─ 40 dias depois de minha partida de Belém, 3 meses e 5 dias desde a minha partida de Patos". (O Amante das Amazonas)

"Mas não disse que vinha à procura de Tio Genaro e meu irmão Antônio, aviados no Manixi. Não. Pois eles tinham sido trabalhadores seringueiros do Rio Jantiatuba, no Seringal Pixuna, a 1.270 milhas da cidade de Manaus, onde anos depois naufragaria o Alfredo. Eles freqüentaram o Rio Eiru, numa volta quase em sacado, e dali partiram em chata, barco e igarité até ao Rio Gregório, onde trabalharam para os franceses, e de lá partiram para o Rio Um, para o Paraná da Arrependida, aviados livres que eram, subindo o Tarauacá até o ponto onde dizem foi morto o filho de Euclides da Cunha, que delegado era, numa sublevação de seringueiros. Depois viajaram. E foram para o Riozinho do Leonel, seguiram para o Tejo, pelo Breu, pelo belo Igarapé Corumbam – o magnífico! –, pelo Hudson, pelo Paraná Pixuna, o Moa, o Juruá-mirim até o Paraná Ouro Preto onde, pelo Paraná das Minas entraram pelo Amônea, chegando ao Paraná dos Numas, perto do Paraná São João e de um furo sem nome que vai dar num lugar desconhecido". (O Amante das Amazonas)

Os aventureiros europeus, como os franceses e alemães, à época, por não se acharem os “donos” da Colônia, penetraram naquele templo de pureza mítica, conhecido como Floresta Amazônica, com a intenção evidente de apropriação do local. O fato era que os colonizadores espanhóis e/ou portugueses, cada um em seu tempo histórico, estavam mais preocupados com a costa brasileira, alvo de vários ataques de navios piratas (ingleses, holandeses, franceses), do que propriamente, por motivos óbvios, com a região amazônica da fronteira latino-americana: julgavam que terras tão inóspitas não iriam merecer a atenção dos aventureiros de outros reinos de Além-Mar. Por este aspecto, retomando as minhas inferências sobre o Manixi ficcional rogeliano, a partir do reconhecimento histórico de uma região sem igual, além de repensar a presença do personagem francês Pierre Bataillon, como chefe importante da região, medito sobre a presença missionária dos padres católicos alemães, na figura do personagem Frei Lothar, objetivando catequizar os indígenas e mestiços, mas sofrendo os males da expatriação, afundando-se no desmazelo corporal e no vício da bebida, e, conseqüentemente, na desilusão espiritual.


MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel.