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Terra de ninguém



LUCILENE GOMES LIMA

(Na foto, Álvaro Maia)

As personagens dos seringueiros, por seu turno, não apresentam traços tão marcados quanto as dos seringalistas, são mais coletivas do que individuais. As personagens “Firmino”, de A selva,; “Zé Vicente”, de Terra de ninguém e “Joca”, de Coronel de barranco, típicos imigrantes nordestinos que poderiam realizar seringueiros protagonistas, são secundárias nas narrativas. Cabe destacar que nesses três romances, os protagonistas são homens que vêm para o seringal por aventura, como “Anatólio”, de Terra de ninguém, que tendo crescido num ambiente de abastança, decide conhecer “[...]a selva enorme, eriçada de mistérios, grávida de perigos, onde melhor aprenderia a conhecer os segredos da Vida”, (26) “Matias”, de Coronel de barranco, que após aventurar-se na Europa por trinta anos, decide “ruminar o ideal de viver isolado num pedaço de mata, compondo e escrevendo os versos que já planejara em silêncio” (27) e “Alberto”, de A selva, imigrante português que vai para o seringal quase acidentalmente, sem supor que o destino seria ser seringueiro.


Assim como a imagem do seringalista nas ficções da borracha parece fadada à vilania, a do seringueiro liga-se à sujeição. A sua condição de subjugado é ressaltada na descrição de homens tristes, cabisbaixos, apáticos. Freqüentemente, os seringueiros são comparados a escravos e as suas condições de recrutamento os põe, não raro, abaixo da condição humana: “Cinqüenta homens na proa. Seu Isidro vinha sempre à tardezinha ver como íamos passando. Contava-nos como se fôssemos animais [...]” (28)
Apesar de não ser a tônica das obras sobre o ciclo, (29) a revolta dos seringueiros é abordada em algumas obras. Entre elas, Beiradão, onde é narrada a vingança dos seringueiros contra o proprietário do seringal “Boa-Vida”, um patrão cujo caráter sórdido leva os fregueses a lhe retribuírem na mesma moeda:




Deu-se, então, a tragédia. Aguardaram a saída do motor que deixara mercadorias para o verão inteiro, cercaram armazéns e o barracão, pela madrugada. O coronel não podia reagir, pois os empregados haviam retirado as armas, durante a noite.
Amarraram-no primeiramente, amarram a mulher, a cozinheira, as três filhas menores. Cevaram-se nas quatro, banquetearam-se em frente das vítimas todas despidas, cunhatãs foram pisoteadas, após o geral [...] (30)









Lucilene Gomes Lima - "FICÇÕES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS". Estudo comparativo dos romances “A selva” (FERREIRA DE CASTRO), “Beiradão” (ÁLVARO MAIA) e “O amante das amazonas” (ROGEL SAMUEL), Editora da Universidade do Amazonas, 2009. 240p. ISBN 978-85-7401-458-6. Solicitações: [email protected]



26) Francisco GALVÃO, Terra de ninguém, p. 59.
27) Cláudio de Araújo LIMA, Coronel de barranco, p. 94.
28) Francisco GALVÃO, Terra de ninguém, p. 66.
29) Dos romances amazônicos sobre o ciclo, Terra encharcada, do escritor paraense Jarbas Passarinho, é o único a transformar a revolta dos seringueiros na trama central da história.
30) Álvaro MAIA, Beiradão, p. 120.