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A necessidade de possuir uma mulher em qualquer condição, demonstrada no episódio de Deserdados, é ressaltada também em outra obra do ciclo, No circo sem teto da Amazônia: “Só a mulher é rara. Só a mulher é difícil e por isso, linda ou horrenda, quente ou anestesiada, voluptuosa ou fria, limpa ou nauseabunda, é ela a bússola que orienta a horda dos exploradores da jângala.” (46).
Constituindo aberrações, na maioria das vezes, essa relação difícil do seringueiro com a mulher tem no extremo oposto da mulher velha, a menina em idade precoce para o sexo que é possuída através do estupro ou do aliciamento. Obras como Deserdados, Dos ditos passados nos acercados do Cassianã e Beiradão contêm passagens representativas dessa situação. Na última, a descrição do amasiamento de um seringueiro com três meninas demonstra que a escassez se transforma em excesso: “José Arruda, lá do alto, desgraçou três pobrezinhas – uma de 9, a segunda de 10, outra de 12 anos. Viviam juntinhos, na mesma barraca. O delegado meteu a peia no bruto, botou no tronco e conversou com as cunhãs. Pois todas defenderam José Arruda, que lhes dava bóia e roupa. Pareciam cobrinhas assanhadas.” (47).
Enquanto algumas narrativas apenas sugerem, num “causo” ou noutro contado pelos seringueiros, o bestialismo como a forma de superar a ausência da mulher, Deserdados ostenta num capítulo intitulado “Aos azares da sorte” uma descrição da prática de sexo com animal. Na vida do seringal, essa prática não se torna exclusiva de seringueiros, mas também de outros homens envolvidos nas diversas atividades paralelas à extração, que também compartilham do regime recluso. Mateus, um comboieiro, é a personagem protagonizadora do capítulo de Deserdados que se sente obrigada a se satisfazer sexualmente com fêmeas não humanas. Pressionado pela falta de mulher, ele passa a observar libidinosamente as fêmeas dos bichos e a desejá-las:

De uma feita surpreendera os amores danozamente lubricos de duas onças e escitara-se ao estremo de alvejar a femea para tel-a na posse, numa impropria substituição do felíno; de outra uzara uma anta abatida, em espasmos baixíssimos de necrofilo ultra-degenerado. Os macacos que se amavam em digressões pela ramaría, ou os jabotís que se faziam dos mais tonantes genezístas do orbe biolojico, levaram-no aos paroxísmos da sedução sexual: e como lhe faltasse humana companheira, Mateus vía–se na continjencia ingrata de tomar uma inferior das garras do macho, á bala, ou de uzal-a ao limiar da morte com a veemencia dejenerativa dos enfuriados. (48)


Lucilene Gomes Lima - "FICÇÕES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS". Estudo comparativo dos romances “A selva” (FERREIRA DE CASTRO), “Beiradão” (ÁLVARO MAIA) e “O amante das amazonas” (ROGEL SAMUEL), Editora da Universidade do Amazonas, 2009. 240p. ISBN 978-85-7401-458-6. Solicitações:
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