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Entretanto, de acordo com esta narrativa histórico-mítico-ficcional, especialmente, os Numas “não ficavam visíveis, às claras”. Seriam eles os míticos Numes de passados relatos simbólicos, aquelas aéreas divindades mitológicas que se elevavam no ar por meio de influição divinizadora? Seriam eles os antigos gênios alados, só perceptíveis por meio de espiritualíssima intuição? Ou foram germinados e multiplicados, simbolicamente e criativamente, a partir da deusa suméria Inanna, protetora da guerra e do prazer sexual, associada ao vento, enquanto divindade mítica? Se por vezes penso nas genealogias dos diversos arcabouços míticos-religiosos da humanidade, percebo sempre uma espécie de confluência aproximando os relatos.

“Não ficavam visíveis”: repenso a informação reflexivamente, porque esta fase do romance se desenvolverá por intermédio do patrocínio de reminiscências caprichosas do imaginário mítico-familiar, todas interligadas aos diversos narrares tradicionais da realidade mítico-indígena-e-social brasileira. Tais narrativas, indiscutivelmente poderosas, heroicamente/simbolicamente personificadas por criaturas aladas extraordinárias, foram, são e sempre serão representativas das potências da natureza e das incríveis incomuns qualidades do ser humano. Em outras palavras, os Numas ascendem, ficcionalmente e miticamente, por intermédio do poderoso tronco familiar, primitivo e ímpar, do índio amazonense, oriundo das altas e inóspitas regiões andinas. O mencionado tronco, certamente, no meio dos infindáveis inter-relacionamentos sócio-culturais, foi realçado como fundamento sanguíneo intercambiável, digno de ser aceito como altamente proveitoso no âmbito da real miscigenação da sociedade manauara e brasileira, altiva e historicamente preconceituosa, uma vez que o glorioso mito do ativo exercício do poder estará sempre e indissoluvelmente interligado às grandes alturas, pouco hospitaleiras.
Contudo, são os mítico-ficcionais Numas que estão aqui, nas páginas deste meu artigo teórico-interpretativo, como assunto de comentários reflexivos. E se, como diz o narrador-personagem, o Ribamar de Sousa, “a vida é um caminho que de repente se bifurca”, observo a seguir outras informações estimáveis.
“Nessa matéria nada é absoluto” (ou seja, pela via do dicionário português-brasileiro, “não tem limites”, “não sofre restrição de espécie alguma”, “não enuncia um sentido completo”, “não é narrativa autoritária”, “não é um narrar despótico, imperioso, soberano, incondicional, incontestável”, qualquer que seja a definição do termo “absoluto”), diz o narrador, reafirmando, por via ficcional, o que, reflexiva e teoricamente, procuro assegurar, pela diretriz do conhecimento fenomenológico, como narrativa pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração. “Nada é absoluto”, porque, para criar um texto narrativo, diferenciado das narrativas exemplares, lineares e absolutas, e para interagir com o arcabouço mítico-indígena da realidade sócio-mítica amazonense (que diligencia elevar a figura do índio de sexo masculino, forte, destemido, possuidor de “grosso falo” como símbolo de “dinâmica sexualidade”), o escritor, de origem manauara, obrigou-se criativamente e ficcionalmente a recuperar os traços do conhecimento coletivo e abrangente (formal e impositivo) de seu (do autor) anterior meio social citadino, por questões substanciais ainda relacionados com a história primitiva do homem brasileiro civilizado.
Se nada, ao longo desta fase da narrativa rogeliana, poderá ser interpretado como “absoluto”, começo eu, a intérprete teórico-reflexiva destas páginas não-absolutas, a refletir fenomenologicamente o fato de que a cena do rio onde nadam as duas indiazinhas Numas poderá ser interpretada, sublinearmente, partindo-se do princípio lendário de que os Numas eram/são seres mitológicos e aéreos (aparições voláteis), por conseguinte, passíveis de tomarem a forma conceitual que quiserem, mesmo que seja em matéria teórico-crítica não-absoluta. As divindades míticas, desde o princípio de suas modelações conceituais, lá pelos idos da pré-fase do conhecimento humano, apresentaram formas incomuns (humanas, animalescas, imaginárias, etc.), inclusive, formas andróginas (mítico/cristão). Então, ainda apoiando-me na afirmação ficcional, penso que o olhar do narrador-personagem Ribamar de Sousa, naquele momento, estava ativado pela aparição mental (volátil) do mito das gregas amazonas guerreiras, belas, sensuais e andróginas, ou seja, possuidoras das características dos dois sexos. Seria possível então um engano, quanto a incomum sexualidade das duas indiazinhas? São elas, diz o narrador, “duas índias Numas, inconfundivelmente Numas”.
Sim. São inconfundivelmente Numas e oriundas do mito das amazonas guerreiras, andróginas e espontaneamente sensuais. Por este aspecto, penso que o narrador-personagem Ribamar ter-se-ia enganado quanto ao sexo das duas indiazinhas, “vistas de longe”, assim como os exploradores antigos se enganaram, quando da aparição das/dos anteriores amazonas, as/os quais, segundo, outras fontes histórico-míticas, eram em verdade homens guerreiros ao invés de mulheres guerreiras. O equívoco histórico-mítico se propagou, no decorrer da formação cultural brasileira, graças aos longos cabelos desses índios audazes e suas faces imberbes. Ainda por este prisma interpretativo, empenho-me em resguardar e defender aqui o propósito de observar algumas pistas que favorecem ao meu pensar diferenciado sobre a sexualidade das personagens Numas.