Galeno Amorim

Arnaldinho jamais se esqueceria daquele dia. E por duas razões. Primeiro, porque estava mesmo de olho naquele livro. Era um livro pequeno, poucas páginas, algumas palavras que ele desconhecia e vários desenhos, que logo chamaram a sua atenção. E também seria aquele o primeiro livro da sua vida.
 
Mas a verdade é que o menino queria mesmo ficar com livro porque aquilo, no fundo, significava a glória, e o reconhecimento por ter se destacado, no ano letivo, como o melhor aluno da classe.
 
Só que o livro acabou indo parar nas mãos de um colega. Que certamente tivera notas e disciplina melhores que a dele. Arnaldinho, então, chorou. E chorou copiosamente. Tia Maria, a professora do primeiro ano do grupo escolar, ficou com dó do menino. Foi lá, separou mais uns trocados do salário do mês, comprou outro livro e presenteou o aluninho.
 
Lassie – era esse o título do livro tão desejado – está guardado até hoje na estante do agricultor Arnaldo Leôncio de Souza, hoje com 55 anos. Como se fosse um troféu. Naquele dia, ele aprenderia duas lições importantes para o resto da vida – uma delas é que, para atingir seus objetivos, teria sempre que se esforçar um pouco mais. O outro é que quase tudo que precisava estava dentro de um livro – naquele caso, era Primeiras Lições Úteis, de Benedita Sodré, a cartilha adotada na escola.
 
Exatos cinquenta anos depois, Arnaldo teve, dia desses, a chance de agradecer e dizer isso à primeira professora. Afinal, depois de tudo aquilo – e sempre na mesma Morro Agudo, no interior de São Paulo –, ele foi à luta e venceu. Começou a trabalhar muito cedo, formou família, virou homem de bem na cidade. Foi vereador por muitos anos e, depois, vice-prefeito.
 
Com simplicidade e sabedoria, ele diz que um livro pode mudar a vida das pessoas. E essas pessoas – quem sabe um dia! – poderão ajudar a mudar a vida do lugar aonde vivem.