(NA FOTO, A ÚLTIMA LANCHA DE ALBERT SAMUEL)
O mito das amazonas guerreiras da América do Sul ativou o imaginário europeu, desde o início dos domínios coloniais, a partir do século XVI (domínios europeus estes diversificados: Espanha, Portugal, França, Inglaterra, Alemanha e Holanda), os quais movimentaram as viagens exploratórias desses diversos reinos da Europa Ocidental. Evidentemente, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, no início do século XIX, ansiosa por transformar o sub-reino em local de importância e em um patamar de grandeza, a lenda se tornou pertinente (não apenas esta, como também outras, incluindo a lenda do Eldorado, região desconhecida de infinitas riquezas, região jamais visualizada, pelo menos pelo ponto de vista da narrativa amplificada pelo imaginário coletivo da tradição oral), instigando os aventureiros europeus, de outros reinos vizinhos a Portugal, a saírem em busca da solução de tais mistérios. É quase certo que as expedições exploratórias, como as que revelaram-nos os nomes de Castelnau (1847) e Travestin (1854), não estavam aqui em busca da descoberta das lendárias mulheres, guerreiras, fossem elas homens ou mulheres, ou muito menos, a proposta era estudar a fauna e flora da região. Sob a missão de estudar a cultura material da Colônia, escondia-se o desejo de apropriação das localidades distanciadas do domínio português. Foi o que aconteceu com a região da Amazônia Ocidental, próxima ao Peru e Bolívia. Poucos aventureiros portugueses ali se instalaram nos anos finais do século XIX e iniciais do século XX. O descuido dos portugueses deveu-se à impossibilidade de locomoção e dificuldade de comunicação com a Casa Real (e, posteriormente, com a Casa Imperial) localizada no Rio de Janeiro. Os estudiosos da fauna e flora e aventureiros europeus, que para ali se dirigiram, os mais audazes, não eram exatamente portugueses. Historicamente, há a informação de que a Casa Imperial se preocupou com a parte isolada da região amazonense, inclusive fundando o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. Entretanto, a preocupação portuguesa limitou-se a se fixar na parte oriental do Amazonas, próxima ao Pará, onde as condições de navegação e comunicação com o Império eram mais facilitadas. Nesse ínterim, os mitos amazonenses, como o mito das amazonas guerreiras e do Eldorado, conhecidos desde a descoberta do Brasil, via domínio espanhol, foram se solidificando gradativamente. Enquanto alguns poucos portugueses procuraram se aventurar por ali, no decorrer da história da Colônia, os exploradores de outras partes da Europa foram se aclimatando àquela realidade indócil e, ao mesmo tempo, espalhando notícias sem confirmações sobre intrigantes relatos míticos. O que, na verdade, esses estrangeiros ─ franceses, alemães e de outros reinos europeus ─ pretendiam era descobrir as ricas jazidas de ouro e pedras preciosas, assinaladas pelo mito do Eldorado e, naturalmente, tomá-las para seus governantes reinóis. Esses viajantes-estudiosos estavam aqui em missão nitidamente especulativa.Pois se nada no romance poderá constar-se como “absoluto”, quem “arranca do corpo a substância e a transmite à vida da superfície” (do rio) não é absolutamente uma fêmea Numa, é um macho Numa. Se fosse uma fêmea, não arrancaria a substância sexual do próprio corpo, projetando-a em uma superfície. A substância sexual, advinda do orgasmo feminino, produz-se em espécie de interna umidade viscosa, e assim permanece. Percebo esta cena não-absoluta como uma questão a ser exaustivamente repensada. O verdadeiro narrador (o dono do ato de narrar) colocou o narrador-personagem Ribamar de Sousa em uma encruzilhada entrópica pós-moderna/pós-modernista. E graças a esta entropia narrativa, e aos enclaves do texto ficcional (espaços em branco, os quais não deverão ser desconsiderados futuramente, em outras edições do romance), os leitores poderão repensar o estigma do preconceito, neste atual momento histórico, seja ele de que natureza for.Entretanto, continuo submetendo-me aos riscos teórico-reflexivos. Reflito a cena: “Ato terminal. Calor, prazer. O morno rio ressurge, como látex do sangue aquecido. (...) excreção brusca, violenta, do humor que escorre. Espuma de sangue”. Busco os referentes estruturalistas/semiológicos basilares, propiciadores de meu repensar fenomenológico: “Excreção brusca”: função fisiológica que expulsa (no caso, bruscamente) para o exterior alguma matéria excrementícia, como, por exemplo, o sêmen. “Humor”: qualquer líquido que atue no corpo dos vertebrados, como, por exemplo, o sêmen. Estes, por acaso, não seriam índices de uma sexualidade masculina? O líquido viscoso sexual feminino é interiorizado e não se revela em “excreções bruscas”.Como já disse o sermonista barroco português-brasileiro Padre Antônio Vieira, as palavras têm mistérios. “Partes sólidas, estreitas”. As indiazinhas Numas rogelianas não possuem as partes exuberantes das vitalizadas e jovens mulheres índias. As índias joviais possuem formas arredondadas, sensuais, femininas. As indiazinhas Numas da ficção pós-modernista, assim como as lendárias amazonas guerreiras da antiguidade greco-romana, são masculinizadas. As indiazinhas do texto ficcional desta atualidade entrópica  “desaparecem uma na outra”. Penso que, se o ato fosse realmente lésbico, as indiazinhas Numas não desapareceriam uma na outra, pelo menos, por meio dos órgãos sexuais considerados tradicionalmente como normais. Em se tratando de relacionamento sexual entre duas mulheres, não há como uma se introduzir na outra, no ar. De sorte que, por interferência do alargadíssimo imaginário-em-aberto de quem realmente narra, o vento mítico (associado à água mítica, transformadora) encobre o narrador-personagem Ribamar de Sousa e faz “o morno rio [sexual-imaginário] [ressurgir], como látex do sangue aquecido”, sacralizando o ato sexual-amoroso (diferenciado) das duas divindades númicas.
“O morno rio ressurge, como látex do sangue aquecido”. “Rio”, “látex” e “sangue”. Recupero Bachelard. Encontro-me às voltas com a palavra “rio”, colocada comparativamente ao “sangue” e ao “látex”, indistintamente, neste parágrafo sobre o amor transcendental entre as duas indiazinhas Numas. A palavra “rio” associada ao “sangue” e ao “látex” está ali subentendida como um “sangue maldito”, à moda de Poe, ou como “um sangue valoroso”, à semelhança de Paul Claudel? Penso que este “rio” em especial possui as qualidades simbólicas referentes às três dimensões ─ sócio-substancial, mítico-substancial e ficcional ─ desta obra literária pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração, ou seja, a palavra “rio” tanto poderá ser avaliada pelo plano subjetivo quanto pelo plano objetivo ou pelo imaginário-em-aberto do narrador principal.