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Desta forma, e por causa disto, envolvi-me pela orientação filosófica de Gaston Bachelard, sobre o assunto que ora me movimenta, apenas para referendar a anterior citação de autoria de Michel Foucault. Exatamente. Esta intelectual tupiniquim encarrega-se, aqui, nestas reflexões sobre esta obra singularíssima do final do século XX, de responsabilidades perigosamente político-interpretativas, ou que poderão ser interpretadas, algures, assim. A questão levantada pelo narrador-personagem de O Amante das Amazonas não é “um problema só de especialistas”, é uma questão ainda camuflada nos meios sócio-familiares brasileiros e que interessa a todos, sem distinção sexual ou de classe. É um problema que está longe de servir aos interesses do Capital e do Estado, não veicula uma ideologia cientificista, mas exige que seja revisto, por ângulos mais conscienciosos e sem interferências preconceituosas. As “águas” dessas lembranças míticas de Ribamar de Sousa “correm desde o sem princípio das partes íntimas” da narrativa. Anteriormente, em períodos literários do passado, a proposta de “princípio” narrativo estava submetida à força das “árvores de 70 metros de altura”, frondosas “árvores” conceituais, dominadoras, cerceadoras de um novo princípio narrativo. Tais “árvores” conceituais estavam/estão, talvez estarão ainda a impedir uma novíssima ultrapassagem verbal - ficcional-arte ou paraliterária - contra as tradicionais seculares instituições prejudiciosas de como se apresentar ao mundo. Urgia plantar outras, mais condizentes com a realidade do final do século XX. Necessita-se plantar outras mais harmônicas com este início de século XXI.

As “águas” provêem “dos desconhecidos lugares da origem Numa”, uma tribo desconhecida geograficamente e que ficou à margem da história do Amazonas, por exigências sócio-substanciais. Dessa tribo de índios audazes, só se perpetuaram os referentes conhecidos e aplaudidos ligados à força física, ao lado indômito, à imponente belicosidade do animus diferenciado. As “águas” (as lembranças) desses lugares da origem Numa ficaram desconhecidas por leis de “sobrevivência”, relegadas friamente ao esquecimento. “Se perdem”/se perderam no esquecimento, porque foram interditadas e repudiadas vergonhosamente pelo anterior regime patriarcal. Foram/são esquecidas e passaram/passam, porque, se íntimas, representaram/representam “perigo”, se fossem/se forem verbalizadas.