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A “economia política”[xl] do Manixi, constituída a partir do momento em que, entre os diversos elementos da riqueza, apareceu um novo objeto, a população mestiça, oriunda do acasalamento entre brancos, negros e índios, ao longo do século XX, conheceu o impasse da gritante desigualdade social (ratos/população versus gatos/famílias poderosas). A “arte de governo” do imperador Pierre Bataillon, tradicional, não suportou as inovações políticas da pós-modernidade em andamento. O que ocorreu por ali, será relatado na terceira parte (ficcional e pós-moderna) do romance, a partir do momento em que o segundo narrador, trasladando o espaço narrativo para Manaus, passa a falar do fim do apogeu capitalista no Amazonas. Entretanto, antes, buscarei retomar o plano mítico do Manixi.

 

Recupero o parágrafo acima do capítulo TRÊS: NUMAS, para referendar, ou seja, assinar, por minha vez, as anteriores premissas de Michel Foucault, sobre as suas teses referentes ao capitalismo primitivo de modelo familiar, da qual se originaram (realçadas no capítulo anterior destas minhas reflexões teórico-interpretativas, sobre este romance em especial) todas as questões de domínio político-familiar do capitalismo selvagem, determinador de regras trabalhistas desumanas, referentes ao Manixi da primeira etapa ficcional do romance O Amante das Amazonas. A retomada do parágrafo será necessária, uma vez que, para repensar o conflito entre o sócio-substancial (os brancos, os mestiços e os Caxinauás domesticados) e o mítico-substancial (a singularíssima Nação Numa: nação indígena idealizada ficcionalmente e miticamente), situado no entroncamento reflexivo-imaginativo de uma região fronteiriça ao Peru e Bolívia (Amazonas e Acre), inacessível nos anos finais do século XIX, faz-se necessário uma retrospectiva mítico-reflexiva (para a dimensão mítico-substancial do Manixi) e histórico-reflexiva (para a dimensão sócio-substancial do mesmo Manixi), por novas vias teóricas, evidentemente, mas nem por isto distantes das induções político-filosóficas de Michel Foucault, sobre o capitalismo em estado inicial e de base familiar, anterior ao século XX.

 

Instigada pela (e intrigada com a) criatividade ficcional do narrador do século XX (lembremo-nos do trecho: “Os Numas. Reagiram violentamente desde 1847, quando o sábio Francis de Castelnau por ali passou e os descreveu na Expedition dans lês parties centrales de l’Amerique du Sud. (...). Também Travestin, em Le fleuve Juruá, se refere àquelas lutas que tiveram contra os Numas”) e pelo meu limitado conhecimento pessoal e teórico da realidade manauara (uma vez que ali me estabeleci, no ano de 1996, como professora-substituta convidada de Teoria Literária, Literatura Brasileira e Literatura Amazonense, na Universidade Federal do Amazonas), procurei repensar fenomenicamente o título do romance, buscando uma ligação do mesmo com a mítica Nação Numa, brilhantemente realçada nas certamente (e futuramente) imortais páginas rogelianas desta diferenciada narrativa ficcional pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração.