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Pelo prisma foucaultiano, e neste caso, reconsiderando o poder político no Brasil, na segunda metade do século XIX, repenso o poder inicial, ficcional, do personagem Pierre Bataillon sobre a população indígena do Alto Juruá, região que se localiza próxima à fronteira entre o Brasil e o Peru. Recuperando, diacrônica e sincronicamente, o processo histórico daquela já passada parte intransitável da região amazônica, próxima às fronteiras dos países que ficam ao norte da América do Sul, em princípio, o poder governamental da localidade estava (e sublinearmente sempre esteve) em poder das famílias estrangeiras que ali residiam e prosperavam, adeptas que eram dos regimes governamentais familiares. Nas páginas iniciais do romance, o poder capitalista do personagem Pierre Bataillon seguiu as regras de uma economia entendida como gestão de família.

 

Entretanto (não obstante a comparação histórica), estou a referir-me ao apogeu e declínio do Manixi amazônico ficcional, um lugar isolado ante o “novo” direcionamento do capitalismo mundial, naqueles anos iniciais do século XX. Graças a esse “isolamento” familiar, posteriormente, o poder político de Pierre Bataillon (a face ficcional dos antigos políticos manauaras) sofreu/sofre sérias derrotas, a partir das novas regras financeiras que já se avizinhavam. As multinacionais estrangeiras, construtoras da idéia de galopante progresso para a região, propiciaram a derrota do governante do Manixi, assentado que estava em uma arte de governar dominada pela estrutura da soberania individualista do poder patriarcal familiar.

A história do Amazonas é um acúmulo de loucuras corruptas. Lembremo-nos de que foi o poder político do Barão de Mauá (dominado pelas técnicas de governo à moda do século XVIII, oriundas da Revolução Industrial) que propiciou o progresso daquela região da Floresta Amazônica nos anos iniciais do século XX. O século XVIII foi o momento da passagem do regime dominado pela estrutura da soberania para um regime dominado pelas técnicas de governo, e a “novidade” política européia, daquele século, atingiu a forma de governo dos séculos XIX e XX no Brasil. As populações indígenas e caboclas do Alto Juruá, naqueles anos finais, já republicanos, do século XIX e início do século seguinte, tornaram-se, se me adéquo às palavras de Foucault, o ponto em torno do qual se [organizou] aquilo que nos textos do século XVI se chamava de paciência do soberano, no sentido em que a população [seria] o objeto que o governo [brasileiro] [deveria] levar em consideração em suas observações, em seu saber, para conseguir governar efetivamente de modo racional e planejado, uma vez que, a partir de então [talvez, fosse esse o ideal, o qual não se realizou à época], o povo iria começar a exercer a sua soberania por meio de seus representantes legais. (Entretanto, no Brasil, sabemos que o chamado “voto de cabresto” vigorou, durante vários anos, no decorrer do século XX). Então, a paciência do soberano [do governo republicano brasileiro], à época, valeu-se do conhecimento técnico do Barão de Mauá e de seus engenheiros, capacitados que estavam para levarem adiante as propostas republicanas de um governo racional e planejado. A segunda parte do romance rogeliano, quando, no capítulo oito, aparecem “ratos” na narrativa, propiciando as indagações do leitor atento (Quem está despojando a grandeza da Floresta Amazônica?), surge para denunciar, sublinearmente, as frestas negras da ambição desmedida (familiar) que proporcionou o declínio do imperialismo da borracha, a partir de seu representante ficcional Pierre Bataillon.