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Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel

Revela-se, nos capítulos finais de O Amante das Amazonas, a autêntica documentação (pelo ponto de vista ficcional) do que não se pode avaliar, porque a presente história sócio-cultural do ficcionista pós-moderno ainda não se completou. Urge fazer justiça aos seus naturais (ao seu povo, que sentiu na própria pele os estragos da decadência); urge encontrar um justiceiro que aceite a co-participação em seus atos de autoridade judicial. Urge eliminar o mito do grandioso em proveito do pequeno, do incompreensível, das migalhas de pão que caem da mesa dos antigos poderosos, agora, decadentes.

 

Gaston Bachelard, em A Terra e os Devaneios do Repouso[xiv], cita Tristan Tzara: “Aumentadas no sonho da infância, vejo de muito perto as migalhas secas de pão e a poeira entre as fibras de madeira dura ao sol”. A Manaus da ficção rogeliana saiu do arcabouço vivencial infanto-juvenil. O narrador principal foi testemunha dos últimos estilhaços do esplendor da borracha, do que restou da grandeza capitalista. Foi testemunha da decadência. Foi ele que viu, por intermédio de sua sensibilidade provinda naturalmente da infância, os “ratos”, como “um traço cinematográfico, contínuo”, se infiltrando “entre as frestas da construção carcomida”[xv] de sua anterior realidade sócio-existencial. Assim, percebe-se a urgência em causar a morte do mito (autoritário, exemplar), adotando ficcionalmente o descontínuo existencial do momento, em prol de uma futura nova ordem fundamental (pós-moderna). Por este ângulo interpretativo, Paxiúba terá de morrer, “afigurado” como homem primitivo (Paxiúba, o Mulo). Alguém terá de apertar o gatilho e eliminar o mito, transmutado em ser primitivo, da face do Amazonas. Para tanto, o narrador delega esse poder a um outro personagem, o Benito Botelho. “Benito atirou no meio do tórax, matando-o. Benito o matou, sim. O morto era Paxiúba, o Mulo.”[xvi]