E eis que imediatamente surge a pergunta (por conjetura, talvez, um dos motivos de aborrecimento de Robbe-Grillet nos anos cinqüenta, quando se revoltava contra as interferências críticas de seu momento): Como classificar um texto ficcional como autenticamente criativo e pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração, se o mesmo ainda não passou pelo crivo do tempo? O texto já não seria normalmente pós-moderno, uma vez que seu autor é nato de uma atualíssima dinâmica social já conceituada como pós-moderna, ou seja, é um indivíduo provindo de uma era específica denominada como Era Pós-Moderna? Outras interferências, já exaustivamente dialetizadas criticamente, poderiam aparecer, no intuito de desqualificar as minhas inferências teórico-críticas reflexivas, uma vez que o mundo, no século XX, se dilatou, e os pseudos críticos, promotores da mass media, abraçados a uma causa imperialista voltada para o consumo literário imediato, evidentemente ligado ao lucro, se fortaleceram, contaminando os leitores emocionais com a chamada literatura de massa (a maior parte vergonhosamente sem qualidade, inclusive sem qualidade paraliterária). Então, como classificar um texto narrativo em prosa, escrito nos anos finais do século XX, como autêntica ficção pós-moderna? Como classificar uma ficção pós-moderna/pós-modernista, que, certamente, irá “incomodar” aos leitores do futuro, obrigando-os a repensarem suas próprias dinâmicas existenciais, incômodo este que, não tenho dúvida, se revelará a partir de um romance diferenciado (e o romance O Amante das Amazonas é diferenciado) escrito nos anos finais do século XX, muito antes de seus nascimentos (dos leitores do futuro, evidentemente).

 

[A literatura] é algo vivo e o romance, desde que existe, sempre foi novo. Como poderia o estilo do romance ter permanecido imóvel, fixo, quando tudo evoluía ao seu redor ─ bem rapidamente, na verdade ─ no decorrer dos últimos cento e cinqüenta anos? Flaubert escrevia o novo romance de 1860, Proust escrevia o novo romance de 1910. O escritor deve aceitar carregar sua própria data com orgulho, sabendo que não existem obras-primas na eternidade, mas apenas obras na história; e que elas só sobrevivem na medida em que deixaram o passado atrás de si e que anunciaram o futuro.[i]

 

Por meu ponto de vista teórico-crítico reflexivo, acrescido de conhecimento intelectual interativo, adquirido a partir do contato permanente com os textos técnicos e/ou artísticos, ponto de vista que não se deixa influenciar por teóricos e/ou críticos de plantão, posso dizer que a ficção pós-moderna/pós-modernista (atenção: de Segunda Geração) de Rogel Samuel irá “incomodar” (retirar da comodidade, induzir a pensamentos dialetizados) o leitor-intérprete de momentos históricos posteriores. Os leitores do futuro irão repensar cada palavra, cada pensamento do autor, e principalmente irão reconsiderar a problemática de um Estado Federativo do Brasil, o Amazonas, um lugar que deveria ser de pura maravilha, mas que se encontra atualmente maculado por alguns interesses internacionais (uma rica minoria de estrangeiros e brasileiros exploradores) que não se coadunam com os muitos interesses nacionais de preservação do meio-ambiente (uma minoria de brasileiros conscientes e trabalhadores). E isto tudo, se houver no futuro um lugar chamado Amazonas. Se houver no futuro um país chamado Brasil, e se entendermos que, no momento, aqui, uma parte dos habitantes ─ grupo pequeno, mas que se posiciona como poderoso ─ se esmera em prol de seu desaparecimento no vasto telão simulacrado do Mapa Mundi.

Contudo, para referir-me ao incomum texto narrativo de Rogel Samuel, o nomeei, no início destas linhas preliminares, como Ficção Pós-Moderna (historicamente) e como Pós-Modernista (esteticamente). Pós-Moderna porque se insere em uma nova era, posterior à Era Moderna (aquela que teve o seu início, na Europa, lá pelos meados do século XV, com o advento do Humanismo Renascentista). Pós-Moderno seria o nome que se convencionou chamar ao momento histórico, depois da cisão que se estabeleceu no mundo pós-capitalista, com a retomada de valores comunitários (de pequenos grupos, e de uma maneira diferente dos valores comunitários da Idade Média, entretanto, não deixará de ser uma retomada). Pós-Modernista porque se instaura a partir de uma cisão com a estética chamada Modernista, implantada no Mundo e no Brasil a partir dos anos iniciais (anos bélicos) do século XX.



[i] ROBBE-GRILLET, Alain, 1969: 9.