Mas Ribamar apareceu no limiar da porta

 

NEUZA MACHADO

 

 

Em um parágrafo, à moda pós-moderna/pós-modernista, o narrador resume a catástrofe que se abateu sobre aquela região do Amazonas, sobre sua raiz sócio-familiar, sobre sua própria dinâmica de vida, depois dos chamados anos dourados de meteórica riqueza. “Meio século” durou a crise econômica. “As famílias ricas” partiram para a Europa; “fortunas colossais se reduziram a pó”; “mulheres ficavam viúvas” e “passavam a costurar, para sobreviver”; “jóias eram vendidas a qualquer preço”, e, inclusive, “Maurice Samuel, um dos ricos”, “perdeu até os móveis de sua casa, penhorados, e mudou-se para pequena casa alugada na Silva Ramos”. A Cidade estava abandonada, desgovernada. Os laços familiares estavam destruídos. Os filhos, abandonando os pais, as raízes, em busca de outras regiões financeiramente mais compensadoras. Inúmeros Ribamares saindo de Manaus, com tigelinha de flandres na mão em busca de serviços bem remunerados (ou não) nas capitais de outros Estados do Brasil. E as perguntas não obtinham respostas: Por que o capital desaparecera da Cidade e tudo que era sólido, desfizera-se no ar e ruíra como um castelo de cartas?

 

 

Era impossível salvar o Armazém das Novidades, do qual só restavam móveis velhos, um luxo fora de moda. Apesar de tudo, Ribamar abria diariamente a loja. O patrão não aparecia, para não se humilhar junto aos credores. Abatido, prostrado, quase sempre bêbado, se escondendo em casa como se uma doença o tivesse aprisionado. Juca das Neves envelheceu logo. Era um homem aniquilado? O dinheiro começava a faltar para a alimentação. Ele vendia objetos e jóias para poder ir ao mercado. Naquele dia se vencia uma das letras que ele não podia saldar. Por isso estava afundado na cama, à espera da morte.

Mas Ribamar apareceu no limiar da porta.[lviii]

O fogo da labareda da serpente

Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel