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A TEMÁTICA HISTÓRICA DO CICLO DA BORRACHA

 






    Os preços em alta da borracha no mercado internacional atraíram uma corrida à extração do “ouro negro”. As terras agrárias foram sendo abandonadas[1] em função da extração do leite das seringueiras nas regiões do Marajó, Xingu, Jary, Guamá, Acará, Moju, Madeira, Solimões, Purus. A extração do látex também se deu em terras da Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela.

       A falta de estabilidade na terra, o espírito aventureiro e arrivista que caracterizaram as relações econômicas no “ciclo da borracha” são, muitas vezes, apontados como falhas que levaram esse sistema extrativista da prosperidade econômica à derrocada. As bases que fundamentavam a lógica desse sistema, entretanto, não se apoiavam numa economia fixa e sim de transplante. A própria estrutura física dos seringais demonstrava que o negócio da borracha exigia apenas uma infra-estrutura primária que possibilitasse ao patrão ou seringalista dirigir o processo de extração do látex baseado numa contabilidade que atava o seringueiro ao trabalho. As condições de moradia do seringalista e do seringueiro eram improvisadas de modo que cumprissem seu papel no sistema extrativista. O tapiri do seringueiro não era exatamente uma moradia, mas o local de trabalho onde ele transformava, num processo rudimentar, o látex extraído das seringueiras em pélas de borracha. O fato de que o sistema não promoveu uma fixação à terra está na razão de seu funcionamento[2], pois se tivesse promovido essa fixação não teria se realizado da forma que se realizou e os próprios elementos que o integravam não teriam tido na pirâmide do sistema extrativo a posição que tiveram. Passaremos a explicitar essas posições a seguir.

 

As firmas importadoras-exportadoras e as casas aviadoras

 

       As bases do sistema extrativista da borracha compunham uma pirâmide em que no topo estavam as firmas importadoras-exportadoras, representantes do capital estrangeiro, mais especificamente dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha. Essas firmas  movimentavam o capital de giro do ciclo, não permitindo nenhuma base sólida à economia local, como ressalta Antônio Loureiro:

 

As firmas exportadoras eram, na realidade, as detentoras do capital movimentador do ciclo, que poderia ser retirado de circulação, em tempo relativamente rápido, como ocorreu, pois suas transações abrangiam, apenas, a compra da matéria-prima e a sua venda em mercado certo, sempre em alta. A qualquer sinal de crise, o que podia ser previsto com antecedência, por não terem capital imobilizado, sairiam da região com relativa rapidez. Os lucros eram investidos no exterior, ou em companhias de melhoramentos urbanos, garantidos pelo País.[3]

 



[1] Sobre esse aspecto, Arthur Reis comenta: “[...] Todas as energias se deslocaram das tarefas agropecuárias para a extração do látex das héveas, num regresso vertiginoso à etapa por que se iniciara o processo econômico da região [...]” (Ibid., p. 41). Samuel Benchimol ressalta que, em virtude da febre do enriquecimento fácil, o ciclo da borracha não poderia promover estabilidade na terra: “[...] Homens à procura de fortuna, não à procura de terra. Daí a instabilidade, nervosismo, palpitação. É a borracha na sua função atrativa, fazendo ‘foco de apelos’ ou antes, dando ‘apetite de seringa’,  na gíria do imigrante [...] (Romanceiro da batalha da borracha,  p. 38).

[2] “As condições de acumulação e crescimento do capital na economia da borracha não foram potencializadas de modo a permitir um avanço da divisão social e técnica da produção. Esta, limitada pela concentração de interesses na monoprodução e pelo sistema de aviamento, apresentava-se num quadro insignificante e incapaz de transformar qualitativamente o padrão econômico [...]” (Eloína M. dos SANTOS, A rebelião de 1924 em Manaus, p. 31)

[3] Antônio J. S. LOUREIRO, Amazônia: 10.000 anos,  p. 172-3.