[Galeno Amorim]

Filho e neto de ribeirinhos, Tenório passou a infância entre cipoais e banhos de rio na Costa do Cabaleana, um lugarejo escondido às margens do Rio Solimões. O lugar, no epicentro da Amazônia, era muito pobre. Recurso não havia nenhum e sequer escola existia.

Quem quisesse aprender a ler e a escrever para ser alguém na vida que se virasse. Com sorte, poderia arrumar alguma alma boa que se dispusesse, por pura boa vontade, a ensinar o pouco que sabia. A classe era improvisada em um canto qualquer.

Por isso, naquele fim de tarde, ao retornar do trabalho no campo de juta, a mãe do menino levou um baita susto: e não é que o danado, sabe-se lá como, aprendera a ler?!

De fato, Tenório agora juntava uma letra a outra, e aquilo dava um som qualquer, que logo ele descobriu que chamavam de sílaba. E mais: quando algumas delas eram colocadas, com certa parcimônia, uma após as outras, formavam palavras inteiras.

Ele achou aquilo simplesmente maravilhoso. E cantarolava, com gosto, cada uma delas, como o troféu precioso que verdadeiramente era:

- BA-NA-NEI-RA!

Seu mestre era um velho tio que mal sabia ler e escrever o próprio nome. Mas dava pro gasto. Logo, porém, surgiu um problema: não havia livros por lá. Foi então que apareceu um cristão com uma bíblia, que ele passou a sorver com gosto.

Era de um fervor impressionante, de quem tinha mesmo fome de palavras e sede de aprender coisas novas.

Tenorinho, então com 5 anos, não cabia em si, tamanha era sua felicidade. Agora lia, todo santo dia, versículos e salmos para a mãe, que era analfabeta. Com a sabedoria dos humildes, ela não demorou a fazer sua escolha: um dia, tomou o filho pelas mãos e pegou um barco, na direção da capital.

Já estava mais do que na hora de dar um rumo à vida do moleque:

- A gente vai pra Manaus... Só assim você vai ser alguém na vida, meu filho - ela sentenciou, resoluta. - Pobre só tem chance de ser alguém se sabe ler e escrever... - emendou.

Dito e feito.

Lá foi Tenório pra sua nova vida. Mas, mesmo morando na cidade grande, ele ainda tinha muitas dificuldades. Afinal, o dinheiro continuava curto. Mal dava para alimentar as bocas da casa - quanto mais pra comprar livros pra escola!

Mas ele não se fazia de rogado: pedia emprestado um dia pra um, outro dia pra outro colega. E passava as noites em claro para poder decorar aquele mundaréu de palavras. Devorava, com sofreguidão, cartilhas inteiras. Não podia era fazer feio na escola.

E eis que o meninote cresceu. E se interessou de vez pelos livros. Foi aprovado no vestibular da Universidade Federal do Amazonas. Lá, cursou Direito, e depois fez a Faculdade de Letras - foi, enfim, ser alguém na vida, como vaticinara a pobre e sábia mãe.

- Estava perdidamente apaixonado pelas palavras - confessa o agora poeta, editor e professor universitário Tenório Telles. Autor de ensaios e ativista cultural dos bons no seio da Floresta Amazônica, ele guarda até hoje aquela sensação que parecia corroer suas entranhas.

Como boa herança dos tempos de criança, Tenório sabe até hoje de cor trechos inteiros daqueles livros que lia e relia porque não podia comprá-los. Alguns ele viria a adquirir mais tarde, já adulto e bem encaminhado na vida. Não precisava, mas ele faz questão.

Afinal, diz Tenório, cada um deles é a prova viva do poder de transformação dos livros e dos milagres modernos que eles verdadeiramente operam na vida das pessoas - para, assim, paulatinamente, irem mudando o mundo.